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Alexandre Kalache

E o voto das pessoas idosas, conta?

Salvo exceções, estão ausentes de pautas partidárias e programas de governo

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Tão logo os resultados de uma pesquisa de intenções de voto são divulgados, comentaristas os esmiúçam das mais variadas formas. Como pretendem votar as mulheres? Os mais ricos, os pobres, os muito pobres, os brancos, os negros, os que vivem em grandes cidades, ou não tão grandes, nas pequenas, nas periferias, intenções de voto por regiões, por estados... E, claro, por segmento religioso. E as pessoas idosas?

Estas permanecem invisíveis. A população acima de 60 anos já ultrapassa 34 milhões de pessoas. Todos são potenciais eleitores. Há dois meses, o IBGE revelou que a população acima de 50 anos ultrapassou a com menos de 30 anos. Mas a ideia de que somos um país jovem está de tal forma enraizada que os números permanecem ignorados.

Eleitora de 104 anos no caminho para votar nas eleições municipais de 2020 - @Faith_Salie no Twitter

Seguimos "felizes", negando. Negando as mazelas de velhices pobres, fruto de desigualdades acumuladas ao longo da vida. Negando que tantos brasileiros e brasileiras, muito antes do patamar cronológico dos 60 anos, já têm uma idade biológica que seus pares mais afluentes só apresentarão décadas depois, o que a pandemia deixou tão patente.

Como se fosse necessário um vírus malvado para que nossas mazelas sociais se evidenciassem. Para que a nossa falta de empatia coletiva com os mais frágeis —entre eles os mais idosos— se mostrasse. Para que nossa face hedonista, do culto à juventude eterna, ficasse bem evidente. Velho, eu? Não. Velho é sempre o "outro", nada a ver comigo.

Nem sequer percebem que as pessoas idosas são, na maioria, arrimos de família e que durante a pandemia, em sua fase mais brutal, quem tivesse em casa uma pessoa idosa estava protegido, teria uma renda mínima, comida na prateleira, netos alimentados, filhos com acesso à internet e eletricidade paga.

Mas não parece que aprendemos muito. Foram pelo menos 700 mil mortes —são notórias as subnotificações. Porém, o ônus vai além dos óbitos: casos de Covid longa, que ainda não compreendemos bem, de tratamentos postergados de outras doenças, do agravamento de condições dormentes. E de dor, muita dor. Milhões de familiares, amigos, comunidades inteiras sem nem mesmo terem validadas suas perdas, muitas vezes acolhidas com escárnio.

Contudo, cá estamos às vésperas de eleições, e o envelhecimento populacional essencialmente ignorado. Com raras exceções, ausentes das plataformas partidárias, dos programas prioritários de governo. O envelhecimento continua pertencendo à pauta de um futuro "distante" —quando cair a ficha de que somos um dos três países que mais rapidamente irá envelhecer nos próximos 30 anos.

Eleitores acima dos 60 anos perfazem 18,6% do total. Dezenas de milhões de pessoas habilitadas a votar. Podem decidir o pleito em nível nacional, assim como nos estados e municípios. Na hora de votar, examine, pense, escrutinize. Diga não ao preconceito, à discriminação etária, ao idadismo. Você pode ser o jovem de hoje, mas almeja ser o idoso de amanhã —a menos que prefira a outra e única opção. Estamos todos no mesmo barco!

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