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Benito Salomão

Os limites eleitorais do déficit público

Gasto irresponsável pode provocar derrota na urna

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Benito Salomão

Doutor em economia (UFU), é economista-chefe da Gladius Research

"Jair Bolsonaro está, aparentemente, disposto a comprometer a estabilidade macroeconômica do país para se reeleger."

O trecho acima foi retirado de um artigo meu publicado nesta Folha em 5 de outubro de 2021 ("Auxílio Brasil e risco democrático"). Hoje, com o avizinhamento das eleições e a flagrante vantagem da oposição nas pesquisas, o presidente da República move esforços em duas direções para manter-se no cargo: 1 - melar as eleições com as consecutivas calúnias levantadas sobre a Justiça Eleitoral e a urna eletrônica; e 2 - manipular políticas macro, precarizando as condições fiscais do próximo governo com o objetivo de recuperar pontos nas pesquisas. Focarei neste segundo ponto.

A manipulação inadequada de políticas orçamentárias é recorrente no Brasil. As eleições de 2010 e 2014 já haviam sido caracterizadas por essa prática, cujas consequências foram o impeachment de 2016. É evidente que Dilma Rousseff (PT) não via na Câmara dos Deputados um cúmplice na desestruturação macroeconômica do país como hoje vê Bolsonaro. Em outras palavras, a qualidade institucional importa para as consequências do déficit.

O uso orçamentário em períodos próximos às eleições está relacionado com um incentivo das democracias. No clássico livro "Democracy in Deficit: The Legacy Political of Lord Keynes", Buchanan e Wagner argumentam que os eleitores compreendem melhor os benefícios de curto prazo de um déficit e ignoram seus custos de longo prazo. Esse incentivo torna corriqueiro (na ausência de regras) o uso oportunista do orçamento em períodos eleitorais.

Voltando ao pleito de 2022, a despeito da impopularidade, Bolsonaro foi o presidente que mais teve recursos orçamentários disponíveis desde a redemocratização. A PEC do orçamento de guerra, de 2020, permitiu-lhe gastar cerca de R$ 550 bilhões acima do teto. Já entre o final de 2021 e hoje, inúmeras matérias de elevado impacto fiscal foram aprovadas no Parlamento. Destaco três PECs: precatórios, ICMS e kamikaze.

Além das consequências macroeconômicas, há outro problema criado por tais matérias: a "corrida pelo gasto". O candidato e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já se comprometeu com o auxílio de R$ 600 em seu eventual governo. Gastos criados com fins eleitorais raramente são revistos —mesmo que o governo seja trocado.

Outra questão que intriga é se o dispêndio poderá reeleger Bolsonaro. E a resposta é não! Claro que, em se tratando de eleições, o imponderável pode acontecer. Porém, o déficit público isoladamente não melhora a avaliação de políticos. Evidências científicas corroboram essa hipótese. Por exemplo, Brender e Drazen (2008) mostram em ensaio empírico voltado para uma amostra relevante de democracias que incorrer em déficits reduz a probabilidade de um político ser reeleito. O eleitor pune políticos que causam déficits.

Recentemente, no livro "Austerity: When It Works and When It Doesn’t", Alesina, Favero e Giavazzi se debruçaram sobre o tema e mostram que planos de austeridade (corte de gastos, aumento de impostos ou uma combinação de ambos) não prejudicam a reeleição de um governante.

Se a despeito do uso irresponsável dos instrumentos fiscais Bolsonaro não for reeleito, trata-se de um ótimo sinal de amadurecimento democrático do país.

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