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Samuel Mendonça

O risco da desqualificação dos institutos de pesquisa

Há quem não diferencie crença de evidência, conhecimento de pós-verdade

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Samuel Mendonça

Professor da PUC-Campinas e pesquisador do CNPq, é autor de “Aristocratic Education in Nietzsche: Individual Achievement” (2018); produtor de conteúdo do canal “Topa Pensar?” (YouTube)

Finalizado o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, há um movimento de desqualificação das pesquisas de intenções de voto por Jair Bolsonaro (PL). Ele se manteve firme na leviana informação de que teria 60% dos votos no primeiro turno, pelo que nomeou "Datapovo". Interessante que apoiadores de Bolsonaro não questionam este falso "instituto", dado que ele terminou o pleito com 43%, mas atacam o Datafolha, justamente aquele que se baseia em evidências e se utiliza da matemática como fundamento da construção do conhecimento.

Deve-se reconhecer que houve discrepâncias em diferentes estados. Bolsonaro terminou o pleito tendo vencido Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no estado de São Paulo, com destaque para as cidades do interior. E Tarcísio de Freitas (Republicanos) surpreendeu, terminando na frente de Fernando Haddad (PT) na corrida para o governo. Já Sergio Moro (União Brasil) foi eleito senador pelo Paraná. No Rio de Janeiro, previa-se segundo turno, mas Cláudio Castro (PL) foi reeleito com 58,67% dos votos. Na Bahia, a fatura quase foi liquidada na etapa inicial por Jerônimo Rodrigues (PT), que ultrapassou ACM Neto (União Brasil).

Na montagem, o ex-presidente Lula e o atual, Jair Bolsonaro, rivais no segundo turno - Pedro Ladeira/Folhapress e Gabriela Biló/Folhapress

No entanto, não se pode desqualificar os institutos de pesquisa; ao contrário, deve-se buscar o aprimoramento dos critérios utilizados em cada pleito. É evidente que as discrepâncias colocam em questão a credibilidade dos institutos; contudo, é preciso tomar cuidado com esse tipo de discurso.

A última pesquisa Datafolha, de 1º de outubro, indicou que Lula teria entre 48% e 52%, e Bolsonaro, entre 34% e 38%, já considerando a margem de erro. Lula somou 48,43%; portanto, dentro do esperado. Será que os bolsonaristas conseguem reconhecer o acerto do Datafolha no caso de Lula? Já Bolsonaro teve 43,20%, cinco pontos acima do esperado. Há razões simples que explicam o resultado: Ciro Gomes (PDT) desidratou e terminou com 3,04%, e havia ainda os votos dos indecisos.

É preciso reafirmar o que se sabe: pesquisa de intenção de voto é um tipo de diagnóstico daquele momento; logo, avalia-se a tendência do voto, não o voto em si. Conseguiria o leitor compreender que o resultado tem explicação racional e é baseado em evidências?

O Datafolha acertou e errou, mas o "Datapovo" de Bolsonaro só errou. Por óbvio, o primeiro se baseia em evidências, no método científico e se utiliza de recursos da estatística; o segundo não tem base em evidências, é apenas um chute que emociona os interlocutores desatentos.

Bolsonaro é habilidoso em desprezar dados objetivos e em fazer apelo às emoções. Observe que o defensor do discurso falso do presidente não se importa com informações objetivas, com evidências.

A desqualificação da ciência é recurso utilizado por Bolsonaro desde o início de seu governo. Nas fases mais duras da pandemia de Covid-19, ele menosprezou as vacinas, atacou institutos de pesquisa, fez propaganda de remédios ineficazes e, principalmente, buscou construir discurso típico de pós-verdade. Ao desprezar fatos objetivos, o discurso bolsonarista alimenta as emoções dos seguidores que propagam as mensagens falsas com empenho.

Quando alguém diz "eu não acredito em pesquisas eleitorais", basta explicar para a pessoa que não é necessário "acreditar", mas compreendê-las. É preciso observar o verbo e questionar o interlocutor sobre a diferença entre crença e evidência. Para que se acredite em algo basta ter fé; para lidar com evidências, será preciso pensar para compreendê-las. A atividade do pensamento permite até mesmo ao eleitor compreender que os institutos de pesquisa cometem erros.

Em pleno século 21, com todo o acúmulo científico e filosófico já produzidos, há quem tenha dificuldade em diferenciar crença de evidência, conhecimento de pós-verdade —daí que a manipulação de Jair Bolsonaro ganha corpo.

Talvez seja necessário combater a desinformação com o conhecimento, as mentiras com evidências. Nessa direção, os institutos de pesquisa não podem aceitar erros em seus procedimentos, sob o risco de se colocar em descrédito a importância social de pesquisas de intenções de voto.

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