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Marco Chicaroni e Tatsuo Sasaki

Retrocesso institucional

Projeto de lei na Câmara dificulta fiscalização de contribuintes

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Marco Chicaroni

Presidente do Sinafresp (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo)

Tatsuo Sasaki

Diretor de assuntos técnicos da entidade

Em "Raízes do Brasil", Sérgio Buarque de Holanda já alertava que o Estado não deveria ser uma ampliação do círculo familiar nem a integração de certas vontades particularistas. Mas o país parece, por vezes, retroceder em princípios como a impessoalidade e flertar com o patrimonialismo.

O PLP (projeto de lei complementar) 17/2022, do deputado federal Felipe Rigoni (União-ES), em tramitação no Congresso Nacional, surge com o espírito de constranger a atuação do fisco propondo, entre outros danos, o desempate nos julgamentos dos tribunais administrativos em favor do contribuinte, associada à paridade dos representantes do fisco e dos contribuintes.

Embora o relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), tivesse anunciado sua exclusão nos debates do PLP na Câmara, tal ponto inexplicavelmente permanece no projeto.

O deputado Felipe Rigoni (União-ES), autor do projeto chamado de "Código de Defesa do Contribuinte" - Luis Macedo-12.jan.2020/Câmara dos Deputados

O simples julgamento de autuações fiscais por representantes dos contribuintes (grandes entidades empresariais) suscita várias questões, como o potencial conflito de interesses, que se exacerbam quando seus votos acabam prevalecendo, na prática, com a composição paritária e o desempate pró-contribuinte. Essa questão seria mitigada caso não fosse vedada a Fazenda Pública apelar à Justiça, como hoje é permitido ao contribuinte.

Alguns defensores da representação paritária evocam o "quinto constitucional"; entretanto não há semelhança, pois o quantitativo de desembargadores escolhidos por tal critério limita-se a 20% do tribunal, bem como há o inequívoco desvinculo da advocacia pelo magistrado ao assumir o cargo.

Com a aprovação do PLP, o entendimento oficial das leis tributárias não se dará pela edição de atos normativos. Mas apenas no julgamento da autuação fiscal por um colegiado com representantes empresariais, que definirá o que é ou não ilícito tributário, podendo até inovar na interpretação das leis, livre de contestação judicial.

Vale lembrar que, sendo o desvio de recursos um tema caro ao país, as consequências dos ilícitos tributários podem superar as sanções administrativas, com repercussões penais.

O projeto tenta impor a estados e municípios o fim do voto de qualidade, da mesma forma que a lei 13.988/20 o impôs ao órgão administrativo de recursos federal, o Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). O Instituto Justiça Fiscal (IJF) concluiu que, não fosse o voto de qualidade, em 2017, os R$ 60 bilhões decididos a favor da Fazenda nos julgamentos da Câmara Superior do Carf teriam sido reduzidos para R$ 26 bilhões.

O Brasil é o único país em que julgadores indicados por entidades empresariais podem cancelar autuações fiscais, segundo o IJF com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Se almejamos o ingresso no organismo internacional, o país deveria adotar as melhores práticas de seus membros. A formação de tribunais de forma paritária não está entre elas, tampouco a regra de desempate pró-contribuinte.

Ainda que essa representação empresarial esteja prevista atualmente, o Sinafresp (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo) recomenda a rejeição do desempate a favor das empresas proposto pelo PLP 17/22, entre outros pontos, por estar claramente na contramão institucional de Estados desenvolvidos.

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