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Socorro Leite

Moradia à margem do debate eleitoral

Candidatos têm apenas propostas genéricas, distantes da habitação social

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Socorro Leite

Diretora-executiva da Habitat para a Humanidade Brasil

O contexto histórico brasileiro e a insuficiência de investimento público para reverter o processo de exclusão —agravado pela acelerada urbanização sem democratização do acesso à terra— ampliam a necessidade de pautar o tema do acesso à moradia adequada no atual debate eleitoral. O conjunto de resposta às atuais demandas da população mais pobre precisa ocorrer a partir de múltiplas e integradas políticas públicas, que incluam uma política nacional de habitação.

Somando os dois grandes agrupamentos de necessidades habitacionais do país, conclui-se que mais da metade da população brasileira vive em condição inadequada de moradia. Das famílias que integravam o déficit quantitativo em 2019, segundo a Fundação João Pinheiro, 52% estavam pagando um aluguel acima de 30% da sua renda, o que colocou em risco sua possibilidade de permanência na moradia e/ou o acesso a outras demandas básicas, como alimentação. Com relação ao déficit qualitativo, mais de 50% dos domicílios do Norte e Nordeste estavam inadequados em 2019, sendo a carência de infraestrutura o maior dos componentes, com mais de 14 milhões de moradias nessa situação em todo o país.

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Vista das comunidades Nova União e Capadócia, na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo, onde há moradias em áreas de risco - Zanone Fraissat - 23.nov..21/Folhapress

Analisando os programas de governos propostos pelas candidaturas à Presidência da República que continuam no pleito —Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL)—, é fácil constatar que as propostas apresentadas são bastante genéricas. O debate eleitoral tem passado distante do aprofundamento na questão da habitação social.

Saneamento e regularização fundiária aparecem nos dois programas de governo, mas sem detalhes sobre metas. No tocante à produção de novas moradias, no programa do atual presidente está prevista a continuidade do programa Casa Verde Amarela, que não tem sido uma opção para os mais pobres. Já Lula apresenta a proposta de retomar a produção de moradias para as faixas de mais baixa renda, com subsídios públicos.

É importante registrar que em nenhum dos programas está explicitada a destinação de imóveis públicos da União para produção de moradias. O acesso à terra bem localizada tem sido um dos limites para a construção de habitações mais bem inseridas nas cidades e dificultado a vida das famílias que vão morar em conjuntos habitacionais localizados nas periferias. Promover o acesso a imóveis bem localizados, incluindo os públicos ociosos, e criar regras que priorizem a produção de moradias em áreas com infraestrutura, equipamentos e oportunidades de empregos, devem ser parte de um programa habitacional nacional.

O compromisso com o combate aos despejos que, segundo dados da campanha Despejo Zero, ameaçam mais de 140 mil famílias, também é uma lacuna nos planos de governo, visto que assumir o engajamento com a mediação e construção de alternativas para as famílias é uma resposta fundamental para a grave situação que se tem no país. É ainda mais grave a proposta contida no programa de Bolsonaro, que estimula a resolução dos conflitos fundiários pela violência, com o uso de arma de fogo contra "invasão" e defesa do direito de propriedade.

Um último aspecto considerado na análise dos programas foi a previsão de espaços de gestão democrática para discussão e monitoramento da política nacional de habitação. Apenas Lula menciona a restauração dos espaços de gestão democráticas, extintos pelo atual governo.

Reverter um processo de exclusão social historicamente construído requer políticas públicas de Estado. Por isso, para além de aproximar mais as soluções e os investimentos das reais demandas da população e enfrentar as desigualdades no acesso à terra urbana, o próximo governante precisará instituir mecanismos que assegurem a continuidade da política.

Temos os exemplos de políticas como a saúde e a educação, que, mesmo com toda a precarização resultante da ação do atual governo federal, seguem atendendo a população e assegurando direitos.

Portanto, é extremamente necessário que o próximo governo federal restaure e assuma o papel de coordenador da política nacional de habitação, articulando estados e municípios e pactuando com os diferentes setores da sociedade envolvidos.

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