Vencedor do segundo turno em São Paulo após uma arrancada impressionante na primeira rodada da eleição, encerrando a hegemonia tucana de quase três décadas, Tarcísio de Freitas (Republicanos) suscita dúvidas cruciais quanto à orientação de seu governo.
Foi um dos poucos ministros do governo Jair Bolsonaro (PL) associado mais à capacidade gerencial do que à agitação golpista do populismo esposado pelo chefe.
Titular da Infraestrutura, manteve o núcleo programático da pasta, que vinha já do governo Michel Temer (MDB) —ao qual servira, assim como ao de Dilma Rousseff (PT). Numa gestão federal com pendor à destruição, não foi pouco.
Inventado candidato por Bolsonaro, que viu nessa faceta mais moderada o perfil para atrair o conservadorismo paulista a seu projeto de reeleição, Tarcísio buscou mostrar-se ao mesmo tempo independente e grato ao presidente.
Em decisão reveladora, deixou a montagem de sua estrutura de apoio, em um estado ao qual chegou como neófito, para um profissional do ramo, Gilberto Kassab.
O presidente do PSD, bússola política do país para uns, mestre da dissimulação para outros, abraçou Tarcísio após ficar sem candidaturas nacional e estadual viáveis em seu próprio partido.
Conseguiu o feito de ver eleitos os nomes que preferia para o Planalto e para o Bandeirantes, estando os dois em campos opostos —e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve apenas apoio tácito, nunca aberto.
Com uma votação no segundo turno idêntica à de Bolsonaro no estado, contudo, Tarcísio não tem como negar seu DNA eleitoral. Mas sinaliza, na transição de governo e escolha de nomes para seu secretariado, que não pretende fazer mais do que pagar pedágios à origem.
Há alguns bolsonaristas fervorosos em sua equipe de transição; e certamente haverá no secretariado. Entretanto o comando do processo foi entregue a um aliado de Kassab, Guilherme Afif Domingos (PSD), com atração de conservadores mais moderados.
Mais importante, Kassab agora está indicado para conduzir a vital Secretaria de Governo, que dá a seu titular amplos poderes de articulação política, inclusive em Brasília.
O pessedista quase teve esse papel no governo de João Doria (PSDB), mas foi abatido por uma investigação acerca de financiamento ilegal de campanha. O processo se arrasta até hoje, mas por ora Kassab parece estar a caminho de se livrar das acusações.
Tarcísio tem a chance de fazer um bom governo. O estado se encontra com as contas em ordem, e uma base partidária está ao alcance do governo. É preciso pôr a gestão —e os meios para viabilizá-la— acima de fantasmas ideológicos.
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