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Carandiru, epílogo

Indulto a PMs é triste desfecho para caso de morosidade inaceitável da Justiça

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Detentos exibem faixas de luto após massacre do Carandiru, em São Paulo (SP) - Ormuzd Alves/Folhapress

Na sexta-feira (23), Jair Bolsonaro (PL) concedeu o último indulto natalino de seu mandato aos policiais militares condenados pelas mortes de 111 presos na antiga Casa de Detenção de São Paulo, em 1992.

O perdão aos policiais do massacre do Carandiru coroa uma trajetória marcada por políticas pró-arma e defesa da violência policial —antes de chegar à Presidência, o então deputado afirmou que daria carta branca para que PMs matassem e que "preso não deve ter direito nenhum, não é mais cidadão".

Os envolvidos não são citados nominalmente. Entretanto não restam dúvidas de que o decreto se refere ao episódio. Segundo o texto, estão perdoados "agentes públicos que tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de 30 anos e não considerado hediondo no momento de sua prática".

A remissão não pode ser concedida a condenados por crime hediondo, e homicídio qualificado entrou nessa categoria somente em 1994 —dois anos depois da trágica intervenção policial.

Desde o seu primeiro indulto natalino, Bolsonaro usa o dispositivo para beneficiar policiais condenados por crimes culposos. Neste ano, o mandatário buscou fidelizar sua base política entre agentes de segurança perdoando uma das maiores barbáries na história das forças de segurança —nenhum policial foi baleado e 90% dos presos mortos foram alvejados na cabeça.

Diferentemente da anistia, que é concedida pelo Congresso Nacional por lei, e da graça, que é dada pelo presidente da República em ato individualizado mediante provocação, o indulto presidencial configura perdão de caráter coletivo e concedido de ofício.

O que Bolsonaro fez, todavia, foi mascarar o perdão a um alvo específico —os policiais do Carandiru— a partir de uma medida legal que exige texto nominalmente neutro e genérico, o que suscita questionamentos sobre a sua legalidade.

Apenas um dia após o indulto, o procurador-geral de Justiça de São Paulo solicitou que o Ministério Público Federal acione o Supremo Tribunal Federal para contestar a constitucionalidade da ação.
Sabe-se que julgamento de casos de violência coletiva é complexo, dada a dificuldade de individualizar as condutas, sobretudo quando a investigação é precária.

Isso não exime o Estado de cumprir a obrigação de dar uma resposta célere a violações de direitos humanos, em particular a mortes violentas de pessoas sob sua custódia. Nesse sentido, o indulto de Bolsonaro é um triste desfecho para um caso de inaceitável morosidade.

editoriais@grupofolha.com

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