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Marli Gonçalves

Carlos Brickmann

Grande cidadão em todos os sentidos, fazia do jornalismo a sua trincheira

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Marli Gonçalves

Jornalista, é sócia e diretora do Chumbo Gordo, espaço livre para pensamento e conhecimento idealizado pelo jornalista Carlos Brickmann

O legado de alguém é o que fica registrado. Temos sorte em preservar os escritos do jornalista Carlos Brickmann, que partiu no sábado (17), aos 78 anos, 59 de profissão.

Nesta Folha, onde chegou aos 19 anos, foi e voltou três vezes, e esteve nos principais veículos de comunicação do país: jornais, revistas, TVs, rádios, sites. Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), o "seu" Frias, sempre foi referência usual. Autodidata, leitor voraz, cuidadoso com a verdade, visão pluralista, bom amigo; colegas há dias enchem as redes sociais de histórias deliciosas sobre esse convívio.

As mãos suadas que secava nas laudas, a capacidade de escrever enquanto o mundo caía ao seu lado, sem olhar para o teclado. Textos enxutos, precisos, vocabulário impecável. Dono de um humor politicamente incorreto, onde se incluía como "gordo", "feio", "judeu" e o que mais pudesse, e que nunca vimos —por ser puro— nenhuma mulher, negro, deficiente ou gay se doer. Ao contrário: risadas eram sempre ouvidas, dos próprios.

O jornalista Carlos Brickmann - Acervo Pessoal

Ensinou muitos. Solidário, deu a mão a outros tantos. Confiou e empurrou para a frente jovens talentos que sabia reconhecer a distância —muitos destes alçaram voos seguros para a fama, essa senhora egoísta a qual ele mesmo, Carlinhos, como era chamado esse desajeitado de mais de 100 kg, quase 2 metros de altura, nunca deu bola. Mauricio de Sousa, com quem trabalhou na Folha da Tarde, deu ao simpático elefante de suas histórias que começavam a fazer sucesso o seu nome do meio: Ernani.

Carlinhos gostava disso. Era pura memória; aliás, de elefante mesmo, como se diz. Pura história. Fatos incontáveis vividos por ele, e os da história mesmo, geral. Seu conhecimento era acima do normal sobre fatos nacionais e internacionais. Da política desta nação que vive em círculos, de momentos históricos, das guerras, em particular da Segunda Grande Guerra, que levou seu povo ao extermínio do Holocausto.

Tinha horror a guerras e armas. Mas, guerreiro, defendia sua gente onde e como pudesse, chamando para o debate, que sempre ganharia com inteligência aguçada e argumentos imbatíveis, qualquer um que destratasse de alguma forma o povo judeu, fosse quem fosse. Judeu engraçado esse, que não seguia nenhum rito: adorava uma boa costelinha, um torresminho.

Carlos Brickmann foi o primeiro jornalista a cobrir a campanha Diretas Já pela Folha - Acervo Pessoal

Um grande cidadão em todos os sentidos. Além do jornalismo, sua trincheira. Corintiano roxo, democrata, adepto da liberdade de imprensa acima de tudo, contra a censura, contra ditadores de qualquer bandeira.

Cutucou poderosos, enfrentou generais na ditadura, buscou justiça pelo primo Chael Schreier, torturado e assassinado, despistou policiais e protegeu perseguidos políticos.

Foi ainda um dos primeiros homens a desmistificar a adoção de crianças, agindo como divulgador da ação e anjo de muitas delas, que, a distância, acompanhou o crescimento. Seus dois filhos são adotados.

Amava os gatos que mantinha em casa e no escritório. Relaxava fazendo coceguinhas neles.

Amigo há 45 anos, com quem tive o prazer de trabalhar e aprender por 30, fico feliz em contar mais dele. Meu Natal ficou menos triste.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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