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Ernesto Lozardo

O consumidor de baixa renda deve pagar menos pelo combustível? NÃO

Projeto de lei defendido por estados é digressão no combate à pobreza

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Ernesto Lozardo

Professor de economia da Eaesp-FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas)

No processo de desenvolvimento de uma nação, dois fatores são essenciais: estabilidade fiscal e previsibilidade tributária. Mas "o diabo mora nos detalhes" (conhecido provérbio).

A medida de redução do ICMS provocou duas considerações: a possibilidade de perda de receita dos estados em relação à arrecadação de 2021 e a criação de fundo de compensação para atender aos pobres que consomem gasolina e diesel.

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Motoristas fazem fila para abastecer em posto de gasolina em São Caetano do Sul (SP) para evitar preço mais alto após reajuste - Rivaldo Gomes - 11.mar.2022/Folhapress

A redução da alíquota de 20% a 30% do ICMS para 17% a 18% sobre bens considerados essenciais —gasolina, diesel, telecomunicações e outros— poderia causar perda expressiva de receita dos estados.
O ano de 2022 está prestes a terminar e não há indícios de que os estados perderão receitas com a redução do ICMS, exceto os que dependem do consumo de gasolina e diesel —os demais poderão obter ganhos.

Neste ano está ocorrendo expressivo aumento de receitas de ICMS. Isso se deve a alguns fatores. Na pandemia, as famílias retiveram seus gastos, aumentando a poupança. Com a abertura econômica, o retorno ao consumo se deu de forma rápida, principalmente nos setores de serviços. Ademais, a nova lei trabalhista estimulou o aumento do emprego, embora com salário menor, e permitiu o crescimento da arrecadação do Imposto de Renda. O acréscimo de renda provocou maior circulação de bens e serviços; portanto, impactou na arrecadação de ICMS. O efeito positivo do IR possibilitou que a União repassasse, por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE), mais de R$ 60 bilhões adicionais aos entes federados. Em suma, os estados estão com caixa alta.

A redução do ICMS propiciou a implementação de medidas que evitassem o descumprimento dos estados no pagamento das suas dívidas.

A União entendeu essa possibilidade e propôs: caso a perda excedesse o percentual de 5% em relação ao ano de 2021, ela cobriria o montante para que os estados não deixassem de honrar sua dívida. Além disso, a União também sugeriu três alternativas de compensação: desconto na parcela da dívida que os estados têm com a União; a União assumiria pagamentos de dívidas dos estados que são garantidas pela União; e os estados reteriam a parcela da Compensação Financeira pela Exportação Mineral (CFEM) que cabe à União.

Apesar de todo esse arcabouço garantidor aos estados, sugeriu-se um atalho descabido: a criação do fundo de compensação aos consumidores de baixa renda de bens como gasolina e diesel. Tal proposta instiga dúvidas: como se define um consumidor de baixa renda? Esses consumidores consomem diesel e gasolina? Quais são os parâmetros de preço desses produtos considerados essenciais à vida do pobre?

Consumidor de baixa renda é aquele cuja renda mensal é de até meio salário mínimo (R$ 606 por mês), o que equivale a R$ 20,2 por dia. Esse cidadão, seguramente, não consome diesel nem gasolina, tampouco tem condições financeiras para utilizar transporte público, exceto se for idoso. Ele deve consumir gás, mas, para este produto, existe o programa Auxílio Gás, subsidiado pelo governo federal.

O caminho mais curto não é por essa digressão no combate à pobreza, mas pelo Auxílio Brasil. Esse programa atende a 21 milhões de famílias e pagará R$ 600 por membros da família, mais R$ 150 por criança com até 6 anos de idade. Custará R$ 175 bilhões, recurso inexistente no Orçamento para 2023.

Terá de passar pela aprovação do Congresso Nacional. Em se tratando de aumento de despesa orçamentária, quase sempre surge cortina de fumaça envolta de conteúdo social: facilita a aprovação.

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