Descrição de chapéu
Célia Leão

Os riscos da migração afegã

Aeroporto de São Paulo, em Guarulhos, não pode virar área de refúgio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Célia Leão

Advogada e ex-deputada federal, é secretária estadual de Desenvolvimento Social em São Paulo

A permanência de migrantes afegãos com visto humanitário no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, faz emergir aspectos a se considerar para além da necessidade de ações de acolhimento por parte do poder público.

Após um ano, desde os primeiros vistos concedidos a afegãos nas embaixadas brasileiras com desembarque em São Paulo, passamos a viver o desafio e o risco da "institucionalização do aeroporto como área de refúgio", indo na contramão de todos os esforços de acolhimento promovidos pelo estado de São Paulo, por prefeituras e ainda por muitas organizações sociais que trabalham com essa realidade.

O jovem afegão Kazem Karimi, 22, no acampamento improvisado que se formou no aeroporto de Guarulhos - Bruno Santos/Folhapress

Se por um lado a capacidade de gerar vagas nos equipamentos públicos e da sociedade civil organizada, a fim de acolhê-los e orientá-los neste novo momento de vida, não se dá com a mesma velocidade do desembarque (até o momento cerca de 4.000 afegãos passaram pelo Brasil), por outro foi identificado que, muitos dos que aqui chegam, preferem permanecer no ambiente aeroportuário por aspirarem seguir viagens para outros destinos, porém sem saber bem como fazê-lo.

Não podemos deixar de entender que o ritmo de acomodação de migrantes e pessoas vulneráveis começa pela essência do trabalho de assistência social, o qual se pauta pela compreensão da complexidade das demandas envolvidas. Ações que iniciam a partir do entendimento por meio do diálogo com os membros das famílias que chegam, sempre desconfiados e assustados após serem obrigados a abandonar o país de origem na tentativa de reconstruir suas vidas em terra estranha aos seus hábitos e costumes.

Os atendimentos caso a caso são parte crucial, e todos os que estão na linha de frente dessa ação reconhecem que o acolhimento aos afegãos deve passar a ser feito fora do espaço do aeroporto, seja porque existe trabalho especializado para isso, seja porque permanecer lá já apresenta riscos às famílias, como aliciamento de propostas migratórias fora da lei e circulação de informações nem sempre verdadeiras sobre os direitos humanos de viverem aqui.

A permanência em Cumbica faz com que esses migrantes encontrem amparo até na boa vontade dos que por ali circulam, querendo ajudar. Contudo também os expõem a oportunistas, que veem na dinâmica da situação uma oportunidade de oferecer serviços que apenas os tornam mais vulneráveis. Separar o joio do trigo ficará mais efetivo fora do atual acampamento improvisado em Guarulhos.

Desde o começo deste ano, o governo paulista esticou seus braços de assistência social para proporcionar acolhimento aos refugiados em equipamentos específicos —como a Casa de Passagem Terra Nova, no bairro paulistano da Mooca, por onde já foram acolhidos mais de 911 migrantes e, mais recentemente, a criação de repúblicas para moradia de famílias, hoje atendendo mais de 70 pessoas que buscam ficar no Brasil.

Além dos esforços do governo paulista, é possível contar com o apoio das prefeituras de Guarulhos e de São Paulo, que receberam aporte do estado para acolhimento desses migrantes, como também de inúmeras entidades da sociedade civil e agências da ONU —caso do Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Romper com essa situação, o que está em debate, passa por acordar que o saguão de Guarulhos não é lugar indicado para que direitos possam ser exercidos de forma adequada. Afinal, nem todos ali acampados integram um fluxo migratório vulnerável e, dentro dessa realidade, é preciso reduzir riscos para não deixar quem mais precisa ainda mais vulnerável.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.