Descrição de chapéu
Danilo Thomaz

Revisão urgente na pós-graduação

É preciso reforçar laços com graduandos e discutir a sério relações de trabalho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Danilo Thomaz

Jornalista, colaborador da Folha e correspondente do podcast português Fumaça; mestrando em ciência política (UFF)

O calote sofrido recentemente pelos pós-graduandos das universidades e institutos federais escancarou uma realidade que há muito vem sendo mascarada e precisa ser severamente reformada no país: a situação de precariedade e abuso a que estão submetidos os pós-graduandos brasileiros, responsáveis por 90% das pesquisas do país.

Há nove anos as bolsas de mestrado e doutorado da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do Cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) não contam com reajuste. Os mestrandos recebem hoje pouco mais que um Auxílio Brasil (R$ 1.500), e os doutorandos menos de dois salários mínimos (R$ 2.200) para pagar suas contas. De 2021 para 2022, a inflação foi superior a 10%.

Estudantes da UFRJ durante protesto contra cortes na educação no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 7.dez.22/Folhapress

Mesmo para os pesquisadores que trabalham a vida é difícil —e os professores não pretendem torná-la mais fácil. As aulas são quase todas no período da tarde, depois do almoço. Exatamente no horário em que as pessoas comuns estão trabalhando. Se você não tem um chefe legal, que entenda a situação, danou-se. E, mesmo se tiver, sabemos o quanto é difícil conciliar trabalhos e estudos.

Mas, no maravilhoso mundo da pós-graduação brasileira, isso é problema seu. E é bom tomar cuidado com as queixas e cobranças que faz aos professores. Trata-se de um misto de burocracia kafkiana com uma classe "em si" e "para si", como diriam os marxistas. Protegidos pela estabilidade conferida pelos concursos —onde impera o corporativismo formado desde o mestrado—, os professores, a maior parte deles, não têm o menor constrangimento em praticar o pequeno poder. Queixas sobre falta de retorno de notas podem levar a notas baixas. Reclamações sobre a qualidade das aulas podem levar a perseguições. Denúncias levam a lugar nenhum.

E tem o famoso sistema Capes. De quatro em quatro anos, os departamentos param para preencher um sem número de relatórios, plataformas e afins para mostrar à Capes o que eles produziram. Mas produziram o quê? Com que qualidade? Com que relevância? Com que impacto social? Nada disso importa, no fundo. Basta preencher os requisitos. Alunos recém-ingressos entram nessa mesma lógica.

Você pode perguntar: mas quem acabou de ingressar num mestrado tem algo a dizer cientificamente? Não. Mas, para o sistema Capes, sim. Então os professores fazem igual aqueles macaquinhos que são vendidos nas feiras do Nordeste: não vejo, não falo e não ouço. Essa é a produção científica brasileira. Se peneirar, sobra muito pouco.

Tal quadro que precisa ser urgentemente reformado. O país precisa discutir a sério as relações de trabalho no nível da pós-graduação, uma vez que de um lado há profissionais numa situação de extrema precarização e, do outro, profissionais que, não importa o que façam, têm uma estabilidade rígida como rocha —e se valem dela para fortalecer seu feudo.

É preciso ampliar os laços entre graduandos e pós-graduandos por meio de programas de estágio-docência e iniciação científica, num momento em que a universidade pública, enfim, se abre para os mais pobres. É mais que necessário rever os prazos de mestrado (dois anos) e doutorado (quatro anos), irreais para o desenvolvimento científico. E o sistema Capes, que premia uma produtividade alienante, alheia ao diálogo necessário com a sociedade que a universidade nem sempre —salvo em áreas como a saúde— quer ter.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.