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O que a Folha pensa Cracolândia

Devagar e sempre

Foco em internação para tratamento do crack é imediatismo que tende ao insucesso

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Vista aérea da Praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo (SP), ocupada por usuários de crack - Danilo Verpa/Folhapress

O vício em substâncias psicoativas exige tratamento interdisciplinar e de longo prazo. No caso da chamada cracolândia, entretanto, imperam ações restritas e imediatistas.

Na sexta (13), o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), defendeu a internação involuntária daqueles que consomem a droga há mais de cinco anos —nesse período, o pulmão seria afetado, e 51% dos usuários na região já estariam com o órgão comprometido.

A Secretaria da Saúde informou que os dados sobre os problemas pulmonares são relativos a 118 testes realizados nos últimos oito meses, o que representaria 10% dos usuários segundo o próprio prefeito —que afirmou haver cerca de mil adictos pela região.

Mais importante, problemas de saúde, apenas, não devem servir como justificativa para internação involuntária de dependentes.

O recurso é necessário em situações extremas, como quando o paciente coloca a própria vida ou as de terceiros em risco. Esses casos representam, por exemplo, apenas 6% dos cerca de 6.000 atendimentos anuais do programa de assistência a dependentes da Unifesp.

Em 2017, só 122 de 734 internações voluntárias foram concluídas. Em ação recente da prefeitura, quase metade dos usuários levados para internação involuntária abandonou o tratamento.

A internação, obrigatória ou não, foi incentivada sob Jair Bolsonaro (PL). Mudanças na lei facilitaram o modo involuntário, e o repasse de verbas federais a empresas que realizam esse tipo de tratamento saltou de R$ 153,7 milhões em 2019 para R$ 300 milhões em 2020.

A estratégia de abstinência, focada na privação do acesso à droga em detrimento da redução de danos, é criticada por especialistas. A política de saúde mental do SUS dá direito ao tratamento na própria região do dependente, em contato com a família e a comunidade.

Os Centros de Apoio Psicossocial (Caps) oferecem terapias sem afastamento completo do convívio social, mas o orçamento da União para o setor em 2020 foi de R$ 158 milhões —cerca de 50% do destinado a comunidades terapêuticas.

No dia 23, estado e município lançarão um plano conjunto que, segundo declarações recentes de governador e prefeito, pretende privilegiar abstinência e internações.

De modo geral, políticos tendem a valorizar soluções imediatistas. No caso da cracolândia, entretanto, apenas o trabalho paulatino baseado em evidências nas áreas de saúde mental, habitação, trabalho e renda pode gerar resultados menos fugazes e enganosos, embora o progresso seja sempre incerto.

editoriais@grupofolha.com

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