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Gabriel Waldman

Faltam doses de reforço contra a tolerância ao nazismo

Trágica farsa volta a encantar ignorantes iludidos, no Brasil e no mundo

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Gabriel Waldman

Aos 84 anos, é um dos poucos sobreviventes ainda vivos do Holocausto

São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo e Minas Gerais. Mensagens de ódio, suásticas, livros enaltecendo o nazismo, o vitriólico livro "Mein Kampf", de Hitler. Eles renascem como zumbis, irrompem de seus túmulos para nos assombrar de novo. Surpreendente? Nem um pouco.

Quase 80 anos se passaram desde o fim da 2ª Guerra Mundial e o Holocausto, a maior erupção de ódio e consequente genocídio jamais perpetrado. "Aqueles que não aprendem com os erros do passado são condenados a repeti-los", disse o filósofo George Santayana. A monstruosidade do nazismo vacinou o mundo ocidental contra a intolerância durante estes 80 anos. Mas faltaram doses de reforço. Não apenas no Brasil: no mundo todo, a mesma trágica farsa volta a encantar ignorantes iludidos.

Gabriel Waldman segura uma bola de futebol; Aos 84 anos, é um dos poucos sobreviventes ainda vivos do Holocausto
Gabriel Waldman, 84 anos, é um sobrevivente do Holocausto - Arquivo pessoal

Nasci em maio de 1938 na Hungria, descendente de uma família judaica, durante a anexação da Áustria pelos nazistas, o que acabou com o "Estado tampão" entre a Alemanha e a Hungria. Meu país passou a ter fronteiras diretas com o nazismo. No mesmo ano, em novembro, ocorreu a Noite dos Cristais, quando Hitler mostrou suas garras, atacando em larga escala propriedades, lares, sinagogas e associações judaicas, matando judeus abertamente, à vista de todos. Sobrevivi por uma série de milagres, como se o universo conspirasse para que eu permanecesse vivo por algum motivo que procuro desvendar até hoje.

Eu era criança no auge da perseguição entre 1944 e 1945. Lembro apenas das fugas constantes, do medo e desespero de minha mãe, do repentino desaparecimento de familiares —entre eles meu pai, que morreu em um campo de concentração.

Criança fantasiada de Hitler em festa de Halloween no colégio Cotiguara, em Presidente Prudente (SP) - Reprodução

Hoje, me dedico a combater a intolerância em todas as suas manifestações. Faço parte da ONG internacional StandWithUs, cuja finalidade é justamente esta: combater pelo diálogo e pela educação a proliferação do ódio. Ministramos palestras gratuitas em escolas e universidades e demais organizações que as desejarem. Participo como sobrevivente do Holocausto com meu depoimento pessoal. Ao longo do tempo, tive a satisfação de ajudar na inoculação de milhares de jovens contra o mal.

Emblemático de nosso trabalho é um incidente que ocorreu recentemente em uma escola. Um adolescente de uns 15 anos desenhou uma suástica em um computador do colégio. Ele sabia que se tratava de algo ruim, embora não conhecesse o seu significado. Sabiamente, em vez de punir ou expulsar, a diretoria aceitou a proposta da StandWithUs para realizar palestras na escola expondo os horrores do nazismo. Eu, como sobrevivente, dei o meu testemunho pessoal. No fim, o jovem "transgressor" pediu desculpas, entre lágrimas e soluços. "Eu não sabia", ele confessou.

Portanto, muito cuidado. Temos que distinguir entre atos conscientes de conspiração contra nossa ordem democrática e simples casos de rebeldia juvenil. Os primeiros requerem intervenção da Justiça. A juventude rebelde, inconsciente do vespeiro em que está se metendo, demanda educação e esclarecimento. Cuidado também com o espaço indevido que se dá à intolerância na mídia e nas redes sociais. Elas podem também nutri-la pela divulgação que recebem, mesmo que essa divulgação seja negativa. O ditado "falem de mim, que seja mal, contanto que falem" explica o fenômeno.

Felizmente, no Brasil, não existe clima de intolerância generalizado, mesmo considerando-se as eleições recentes que acirraram os ânimos. Este surge em geral quando se impõe a uma nação ou a um grupo social "situações de limite" insuportáveis. A ignorância, o esquecimento, a atitude de tocar a vida sem escutar as lições da história são o que nós, da StandWithUs, combatemos. Pois não devemos subestimar a resiliência do mal. Como no caso da poliomielite ou do sarampo, a inoculação deve ser constante para evitar a eterna volta da malignidade.

Oitenta anos é um período longo demais para o ódio ficar adormecido, recuar envergonhado em seu covil sem dar o bote. Pois agora ele reapareceu. Esta sexta-feira (27) é o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto: arregacemos as mangas, portanto.

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