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Zé Pedro

O que é música para você?

Plataformas viciadas em algoritmos ditam o ritmo de suas preferências?

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Zé Pedro

DJ

Convidado pela Folha a escrever um artigo, intuo que este —a música— deva ser o tema a ser abordado, já que sou DJ desde 1988 e vivo estritamente do ofício até hoje.

Sim, um milagre que quase deixou de se consumar durante os anos pandêmicos, quando precisei me reinventar, virando professor online de música brasileira —atividade que me fez emergir da escuridão, mas ainda assim bem longe da adrenalina e do prazer de soltar o som na pista e fazer as pessoas irem ao delírio.

Delírio. Boa palavra para definir o que sinto desde os sete anos de idade, quando roubei a vitrola de minha mãe e virei o patrono de sua discoteca de vinis. Filho único, trancado em casa, foram aquelas capas gigantes, com uma bolacha preta dentro, a minha descoberta do mundo.

Mas voltemos a 2023. Como você anda ouvindo música? De forma aleatória, tocando playlists sugeridas por plataformas viciadas em algoritmos?

Você pesquisa novidades ou seus ídolos ainda são os mesmos? Ouve um álbum inteiro ou pula faixas num louco frenesi?

Só pensa em música como distração para o trânsito, academia e balada ou acende aquele abajur lilás, pega um drinque e põe-se a meditar?

Ok. Já estão querendo saber demais da sua intimidade.

Então, eu juro. É a última.

Você tem curiosidade para saber o nome dos músicos, ler a ficha técnica ou aperta o Shazam e fica satisfeito?

Enfim, música ainda é um negócio rentável e que dá prazer, mas seu modo de consumo já é outro.

Aliás, ela dá mais lucro para quem faz dancinhas no TikTok, um aplicativo onde todas as idades, raças, profissões e credos se irmanam coreografando hits de no máximo 30 segundos e que geram engajamento e mitos efêmeros.

Aqueles outrora três minutos exigidos em outras décadas pelas rádios para uma música fazer sucesso, e que geravam indignação por parte dos cantores, agora é somente um batidão, uma frase de empoderamento e nada mais.

Segundo as estatísticas, nunca as gravadoras ganharam tanto dinheiro como agora, o que significa que esse declínio que atinge os ouvintes não prejudica a roda da fortuna.

Longe de mim afastar o futuro e a tecnologia da minha casa. Eu vou na valsa das novas invenções.

Já limpei vinis, gravei fitas K7, comprei CDs, baixei música na internet e hoje estou em dia com a minha mensalidade de streamings.

Mas venho perdendo companheiros no fórum de discussões da música como algo importante. Aquela que, segundo Maria Bethânia, é perfume, exalando memórias e remetendo a lugares e amores.

Sinto no jovem de hoje apenas um desejo de ídolos que sirvam de estandartes para as suas manifestações de renovação política e social. Todos querem um refrão que clame por justiça contra misérias e minorias ou invoque sexo casual. Pobre canção romântica, que não encontra mais lugar no vaivém dos quadris e na guerra santa dos excluídos.

Os vultosos arranjos de cordas de Ennio Morricone deram lugar aos samples eufóricos de Pedro Sampaio.

Aqueles vibratos de diva foram permutados por uivos de gatas.

Como diria Djavan, o mundo acabou para recomeçar em outro lugar.

Sigamos.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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