Descrição de chapéu
Juliana Inhasz

O saque-aniversário do FGTS deve acabar? NÃO

Trabalhador ao menos pode sacar parte de recurso que é seu por direito

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Juliana Inhasz

Economista com doutorado pela FEA-USP, é professora do Insper, onde coordena a graduação em economia

Em janeiro de 1967, o governo militar criava o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) em substituição à estabilidade trabalhista imposta até então pela CLT.

Desde sua instituição, o FGTS é questionado pelas distorções que causa no mercado de trabalho. Com a imposição do fundo, o trabalhador formal fica mais caro para o empregador, obrigado a depositar 8% do salário do celetista em uma conta individual. Isso resulta em salários mais achatados, uma vez que o empregador recalcula o quanto oferecerá ao trabalhador levando em consideração o gasto adicional.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, durante entrevista à Folha em seu gabinete, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Também há desincentivo à formalização: sendo informal, o trabalhador poderá receber parte do recurso que seria destinado à contribuição obrigatória.

Outra distorção diz respeito à gestão dos recursos. Apesar de o FGTS ser poupança compulsória do trabalhador, este não tem direito de decidir sua gestão, ficando a cargo da Caixa Econômica Federal pensar as melhores alocações. O resultado é uma rentabilidade, no geral, inferior a outras oportunidades factíveis.

Quanto pode ser sacado:

Valor na conta do FGTS Alíquota que pode ser sacada Parcela adicional
Ate R$ 500 50% -
De R$ 500 até R$ 1.000 40% R$ 50
De R$ 1.000,01 até R$ 5.000 30% R$ 150
De R$ 5.000,01 até R$ 10.000 20% R$ 650
De R$ 10.000,01 até R$ 15.0000 15% R$ 1.150
De R$ 15.000,01 até R$ 20.000 10% R$ 1.900
Acima de R$ 20.000,01 5% R$ 2.900

O saque-aniversário, de 2020, deu ao trabalhador a possibilidade de sacar, uma vez ao ano, parte do seu saldo no FGTS caso abra mão de retiradas em momentos de demissão sem justa causa. Ainda que essa possibilidade não contorne as distorções mencionadas, esse dispositivo auxiliou no aumento da renda agregada desde então, gerando elevação de consumo, além de aumento no pagamento e negociação de dívidas, com impacto positivo, ainda que pequeno, nos resultados da atividade econômica.

Adicionalmente, o modelo permitiu que trabalhadores tivessem acesso à parte de sua renda investida no fundo, tendo a possibilidade de fazer sua própria gestão de patrimônio, arcando com riscos e benefícios. Elevou-se o retorno, com ganhos evidentes de eficiência alocativa.

A extinção do saque-aniversário, proposta pelo atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho, pode gerar impacto negativo significante para a economia brasileira, além da perda de eficiência alocativa. Dados da Caixa mostram que quase 18 milhões de brasileiros aderiram ao formato, e a não continuidade do saque-aniversário faria com que um recurso importante deixasse de ser injetado mensalmente na economia, comprometendo a retomada da atividade econômica, já tão questionada.

Também representa um impacto importante a credores, que podem vivenciar redução do pagamento e amortização de dívidas, numa sociedade onde aproximadamente 70 milhões de pessoas apresentam restrições ao crédito. O governo também é impactado: reduções de consumo gerarão menores arrecadações, comprometendo os planos de recomposição de receitas.

Ainda que a extinção aconteça de forma progressiva e lenta, a ausência do saque-aniversário fará com que muitos brasileiros precisem repensar suas trajetórias de consumo e endividamento: alguns não pagarão dívidas que pretendiam pagar, outros terão que direcionar parte de seus gastos em consumo para a quitação de prestações. Num momento em que a taxa de juros permanece elevada e o crescimento econômico ainda é incerto, a extinção parece uma medida um tanto complicada de se compreender.

O FGTS é uma distorção difícil de se aceitar para muitos. Talvez devêssemos estar discutindo sua extinção, deixando claro à sociedade que esse recurso não é bondade do empregador, mas sim parte do salário do trabalhador confiada, de forma impositiva, ao governo. No entanto, dado que sua extinção não está em jogo, possibilitar que parte dessa distorção seja contornada via saque-aniversário parece muito melhor do que retirar do trabalhador a possibilidade de acesso, ainda que parcial, a esse recurso que é seu por direito. Dos males, o menor.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.