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Tapioca e sorvete

Cumpre apurar cartão corporativo de Bolsonaro, que evoca abuso passado sob Lula

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Jair Bolsonaro (PL) passeia de Jet Ski com apoiadores no Lago Paranoá, em Brasília - Evaristo Sá/AFP

A compra de uma reles tapioca se tornou o episódio mais conhecido de um escândalo envolvendo cartões corporativos —entregues a autoridades para despesas de governo— na segunda administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 2007, o então ministro do Esporte gastou R$ 8,30 (preço da época) no quitute e precisou explicar por que utilizou o cartão. Foi um engano, defendeu-se. Em depoimento a uma CPI no ano seguinte, argumentou que, antes mesmo de o assunto chegar à mídia, tinha devolvido o valor aos cofres públicos.

Não se imagina que, por conta própria, Jair Bolsonaro (PL) adote atitude parecida. Mas, agora que foram divulgados os gastos do ex-presidente com o cartão corporativo, espera-se que os órgãos de controle esmiúcem as planilhas e investiguem a pertinência das cifras ali registradas.

Motivos não faltam. Há, por exemplo, uma nota de R$ 109 mil num restaurante de Roraima especializado em marmitas. Também há R$ 13,7 milhões em hotéis, dos quais R$ 1,4 milhão num único local de Guarujá (SP), além de R$ 581 mil em padarias, onde algumas compras passaram de R$ 10 mil.

Em montante menor, mas nem por isso insuspeito, Bolsonaro despendeu R$ 8.600 em sorvetes —em lojas da mesma Brasília onde Orlando Silva se regalou com a tapioca.

A culpa não é do cartão. Criado em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o instrumento deu agilidade e facilitou a prestação de contas, antes feita por meio de notas fiscais.

Seu uso deve respeitar os princípios da administração pública, entre os quais legalidade, moralidade e eficiência, e pode ocorrer diante de cifras pequenas e de despesas eventuais, inclusive em viagens ou serviços especiais, ou quando o gasto precisar ser feito sob sigilo.

É difícil ver como essas condições se encaixam em dispêndios que somam ao menos R$ 4,7 milhões em dias nos quais Bolsonaro não tinha agenda de trabalho, assistia a jogos de futebol ou participava de motociatas.

Graças à agência Fiquem Sabendo, que usou a Lei de Acesso à Informação, os gastos do cartão corporativo podem ser examinados por todos. Sabe-se que o ex-presidente fez pagamentos de R$ 27,6 milhões em quatro anos, o que, se considerados valores corrigidos pela inflação, está abaixo dos padrões das administrações petistas.

Montantes, porém, importam menos que finalidades. Dar máxima transparência aos atos de governo, como se vê, é o meio mais evidente de prevenir e, se necessário, investigar desmandos.

editoriais@grupofolha.com

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