Descrição de chapéu
Ágatha de Miranda, Pedro Henrique Pedretti Lima e Priscila Pamela dos Santos

STF precisa declarar ilegais provas obtidas em abordagens policiais racistas

Sobre parte dos brasileiros paira uma nuvem de desconfiança permanente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ágatha de Miranda

Coordenadora de incidência política e litígio estratégico no Instituto de Referência Negra Peregum e integrante da Coalizão Negra por Direitos

Pedro Henrique Pedretti Lima

Defensor Público do estado de São Paulo

Priscila Pamela dos Santos

Advogada criminal e vice-residente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

O plenário do Supremo Tribunal Federal deve julgar nesta quarta-feira (1º) se podem ser consideradas legais as provas obtidas em abordagens policiais sem justificativas objetivas e verificáveis. Declarar ilícitas tais evidências criminais consistiria em enorme avanço no enfrentamento ao racismo no Brasil. A conexão entre os dois temas está no fato de que as buscas pessoais, embora randômicas e massivas, costumam se restringir a um grupo populacional específico: as pessoas negras.

Estas têm quatro vezes mais chances de serem abordadas que as brancas. A conclusão é de uma pesquisa do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do data_labe, confirmando o que parte dos cidadãos brasileiros já sabe bem no dia a dia. A seletividade nas ruas conduz a sobrerrepresentação das pessoas negras no cárcere: 69% e subindo, enquanto os brancos são 30% e caindo.

Vídeo mostra PM agredindo jovem com soco no rosto durante abordagem em Caieiras, na Grande São Paulo; policial foi afastado do serviço operacional - Reprodução

A busca pessoal tem como objetivo primordial a obtenção de provas criminais. De acordo com o artigo 240, do Código de Processo Penal, ela pode ser realizada sem ordem judicial desde que haja fundada suspeita da prática de ilícitos. Da forma como vem sendo feito, o procedimento se tornou argumento de prevenção e combate ao crime pelo policiamento ostensivo e a conjectura denominada "fundada suspeita" se transformou em justificativa padrão da atividade policial nos centros e nas periferias das cidades.

Foram realizadas no estado de São Paulo 9,2 milhões de abordagens em 2022. Por outro lado, totalizam 104 mil as prisões em flagrante delito no período. A fundada suspeita que autoriza a atuação policial, de fato, esteve presente em apenas 1,1% das vezes. Para 99% dos cidadãos abordados, este ato foi uma violação a seus direitos fundamentais à igualdade, à liberdade e à vida privada. Em 99% das abordagens, os policiais erraram. As abordagens policiais, portanto, também se mostram ineficazes na perspectiva da segurança pública.

No caso em pauta no STF, os policiais afirmam nos autos que passaram a suspeitar do acusado por causa de sua cor. É um dos raros casos em que a motivação racial se encontra expressa nos documentos policiais. O racismo, por sua vez, independe dessa declaração, uma vez que a legislação processual, como aplicada hoje, autoriza que os policiais sejam arbitrários ao abordar.

O Poder Judiciário, nesse sentido, tem papel fundamental na qualificação do trabalho policial, garantindo que a discriminação não seja bússola para a suspeição e definindo que a busca pessoal somente é autorizada com base em critérios objetivos. Está nas mãos do Supremo decidir sobre um tema candente de nossa democracia, já que sobre parte dos brasileiros paira uma nuvem de desconfiança permanente —enquanto há outro contingente, o de pele branca, que sequer sabe o que significa ter seus corpos vigiados e ameaçados cotidianamente pelo Estado. A pele não pode definir o status de cidadania de alguém. Em período de retomada democrática, é preciso dar um basta às abordagens policiais fundadas em critérios discriminatórios e racistas!

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.