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Aiala Colares

A narcoecologia do crime na Amazônia

Fragilidade institucional permitiu conexão entre tráfico e delitos ambientais

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Aiala Colares

Geógrafo e doutor em ciências do desenvolvimento socioambiental (Universidade Federal do Pará), é professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os conflitos de ordem socioambiental na Amazônia vêm ganhando proporções bastante complexas, resultado da aproximação de atividades capitalistas enraizadas na região com movimentos econômicos que giram em torno de uma rede criminosa e suas múltiplas ramificações.

Tal afirmação deve ser analisada com cautela para que possamos ter um entendimento correto acerca da dinâmica dos conflitos "recentes" que a região enfrenta. As indagações aqui destacadas partem das investigações empíricas que realizei durante trabalhos de campo pela Amazônia. Destacam-se três fatores que explicam tal complexidade.

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Avião queimado pelo Ibama durante operação de combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, Roraima - Lalo de Almeida/Folhapress

O primeiro se refere à institucionalidade daquilo que vou definir como "economia da morte", ou seja, o Estado instituiu e incentivou a intensificação de modelos econômicos predatórios sobre a natureza que atingiram violentamente territórios dos povos tradicionais, elevando índices de desmatamento e queimadas, causando perdas irreparáveis à floresta —nesse sentido, terra e floresta vistos como fonte de recursos a serem explorados para a acumulação do capital (acumulação por espoliação).

O segundo fator se deu com a criação de zonas de sacrifício nas áreas de expansão da fronteira econômica do minério, onde garimpeiros compactuados com o Estado impuseram uma lógica de destruição com elevados níveis de contaminação dos rios por mercúrio e práticas agressivas à natureza com diminuição da biodiversidade, impactando a pesca artesanal e o extrativismo, tão importantes para a sobrevivência dos povos originários —sobretudo no estado de Roraima, onde indígenas yanomamis encontram-se em situação de crise humanitária devido à insegurança alimentar e a doenças potencializadas pelo garimpo ilegal.

Por fim, um terceiro fator é o fortalecimento do crime organizado na Amazônia a partir da relação entre narcotráfico e crimes ambientais. Chamaria esse processo de narcoecologia. Só para enfatizar, a ecologia é o estudo das relações entre os seres vivos entre si e com o meio em que vivem. O que chamo de narcoecologia é a relação entre o narcotráfico e as atividades relacionadas ao contrabando de madeiras retiradas ilegalmente, à extração de ouro em terras indígenas e ao contrabando de manganês e cassiterita, bem como à pesca ilegal e à biopirataria.

A fragilidade institucional no governo Bolsonaro tornou possível o narcotráfico penetrar facilmente nas estruturas sociais, políticas e econômicas da Amazônia, pois a região é o principal corredor de escoamento da cocaína peruana e do skunk colombiano (tipo de maconha mais potente), que atravessam as fronteiras em direção ao território brasileiro com vistas a atender, além do nosso mercado, a Europa e a África. Além disso, a desestruturação e o engessamento de Incra, Ibama, ICMBio e Funai tiveram como objetivo dificultar as fiscalizações e operações de combate aos crimes ambientais, fortalecendo organizações criminosas que perceberam as vantagens econômicas que poderiam resultar da conexão entre tráfico de drogas e crimes ambientais.

Isso fortaleceu o crime organizado, e seu avanço se deu em direção às terras indígenas em Roraima, por exemplo, onde em 2018 o Primeiro Comando da Capital (PCC) por lá se instala, encontrando nas áreas de garimpo um lugar de refúgio para fugitivos do sistema prisional. A fronteira econômica do garimpo abriu núcleos de extração de ouro ao longo dos rios Uraricoera, Parima, Mucajaí e Couto Magalhães.

A política de morte que atinge os yanomamis e outros povos da floresta foi potencializada pelo crime organizado, tendo o PCC como principal facção que controla extração de ouro, casas de prostituição, venda de combustível e até pistas de pouso construídas clandestinamente. Tudo isso com sangue yanomami e com discursos que partiram de Jair Bolsonaro em defender a legalização do garimpo, ao mesmo tempo que negligenciou o debate sobre crise ambiental e demarcação de terras, colocando os povos da floresta em uma condição vulnerável para as ações do crime organizado.

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