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Eduardo C. Silveira Vita Marchi

Contra (em definitivo) os estágios em escritórios de advocacia

Atividade prejudica ideal formação acadêmica e pode acarretar danos físicos e mentais

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Eduardo C. Silveira Vita Marchi

Doutor em direito (Universidade de Roma I – "La Sapienza"), é professor titular, decano e ex-diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP)

Servindo-nos das palavras iniciais do inesquecível professor Goffredo da Silva Telles Jr., em sua "Carta aos Brasileiros", "deixemos de lado o que não é essencial": se estágios em escritórios de advocacia fossem indispensáveis para a formação de bons profissionais do direito, as advogadas e advogados de países como Alemanha, Itália, França e outros seriam, em absoluto, os piores causídicos do mundo! Elas e eles, nos cursos de graduação em direito, nunca fizeram estágios em escritórios (ou em outras entidades), segundo o modelo brasileiro, durante seus estudos de formação acadêmica.

Estágios em escritórios de advocacia (diariamente, com duração legal de seis horas: um absurdo!), em concomitância com os estudos de formação acadêmica, representam uma péssima solução "jabuticaba": só existem no Brasil! Em nenhum outro país. Nem na Argentina, se quisermos pensar em relação à América do Sul. Em todos os países europeus, por certo, há também estágios profissionais. Todavia, eles são realizados depois do curso de graduação em direito, sob a supervisão de entidades como a nossa OAB. É uma solução semelhante à etapa da chamada "residência" na formação dos médicos.

Caio Lima Rezende carrega na memória humilhações e assédio que sofreu em um escritório que trabalhou - Gabriela Bilo - 24.ago.22/Folhapress

Aliás, em relação ao assunto tratado, a maior mentira contada nas faculdades de direito do Brasil é a de que "a prática é mais importante do que a teoria". Falsidade absoluta! A prática fundamental (e verdadeira) no campo do direito é o estudo destinado à solução dos casos práticos. Era com esse escopo que escreviam suas obras os insuperáveis jurisconsultos romanos. Assim também, com tal objetivo, escrevem no presente os melhores juristas, inclusive do Brasil. Uma teoria voltada para a prática!

E o lugar onde os estudantes de direito podem aprender com mais proveito tal teoria, indispensável para se tornarem ótimos advogados, juízes de direito ou promotores, é um só: a biblioteca!

Contudo, temos que ressaltar, por certo, o caso de estudantes que dependam de um emprego para sobreviver. Isso não altera as nossas conclusões. Ao contrário: impõe-se às faculdades e à OAB a urgente discussão sobre a melhor forma de assegurar a qualidade de formação desses alunos necessitados, sem que tenham de se submeter à "usual" deformação verificada em não poucos grandes escritórios.

Por fim: depois do lamentável evento, no ano passado, da tentativa de suicídio de um estagiário, agora sabemos o que já há muito tempo se dizia. Os estudantes de direito, em não poucos escritórios (principalmente nos grandes), costumam, por vezes, ao apresentarem alguma falha, ser maltratados e desrespeitados por seus imediatos superiores, tal qual fossem já jovens advogados. Faria parte do necessário "amadurecimento" profissional desses estagiários de direito a submissão a tais tipos de ambientes (especialmente nos escritórios de contencioso), por completo deletérios à sua formação!

Isso, na verdade, é uma desumanidade! Basta! Essa situação não pode continuar! As vozes de alguns poucos professores de direito, contrárias a esses estágios, têm sempre permanecido abafadas, diante de uma inconsequente "communis opinio" reinante nas escolas de direito, quase sempre favoráveis a esse massacre. Providências imediatas devem ser tomadas pelo MEC, pela OAB, pelas universidades, pelas faculdades de direito (já reclamamos disso na minha, que pouco fez) e também pelo Ministério Público do Trabalho (que parece ter iniciado um procedimento).

Talvez seja o caso de evocar, até mesmo, os próprios genitores dos estudantes de direito. Esses, sem o saberem, apoiam suas filhas e filhos para exercer tal tipo de trabalho, que não só prejudica a sua ideal formação acadêmica, mas também, entre nós, pode até mesmo acarretar graves riscos à saúde física e mental dos mesmos!

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