Críticas à atividade de estágio em bancas de advocacia ("Mundo do direito se mobiliza contra estágios tóxicos", 3/9) não são exatamente uma novidade. De tempos em tempos, impulsionadas por alguma ocorrência relevante, elas emergem e renovam um debate de inegável importância.
O estágio pode ser considerável fonte de aprendizado, pela experiência que proporciona. Embora a formação teórica dependa do que é ministrado nos bancos escolares, e por mais aprimorada que seja a metodologia, fato é que o estágio retira os alunos do relativo conforto do ambiente simulado e os aproxima da realidade. Quando menos, ele tem potencial para orientar a vocação profissional.
A experiência em escritórios é diferente de outras do meio jurídico. Na advocacia privada, o êxito não se mede apenas pelo grau de empenho, mas principalmente pela obtenção de resultados favoráveis. No contencioso, profissionais lidam com expectativas das partes, prazos preclusivos, burocracia e eventual ineficiência estatal. A pressão, portanto, é inevitável. No consultivo, o tempo de consumação de um contrato, por exemplo, é ditado mais por fatores negociais do que pelos advogados, que apenas correm atrás. Nesses ambientes, os desafios podem ser grandes e quem estiver disposto a enfrentá-los muito provavelmente amadurecerá, em termos profissionais e pessoais; e quem não estiver poderá buscar alternativas mais adequadas. Sobretudo, convém não julgar o estágio na advocacia privada pela régua acadêmica ou pela experiência de outras carreiras.
Também não parece adequado tratar conceitualmente o estágio a partir do que ocorre em grandes estruturas. Há também médias e pequenas bancas, que podem oferecer experiências interessantes. Dizer qual é a melhor é impossível porque isso depende da perspectiva que se tenha sobre o aprendizado profissional.
Certamente, grandes bancas tendem a apresentar maior grau de competitividade interna; o que, claro, interfere com o ambiente de trabalho. Em contrapartida, é de se esperar que ali também estejam os maiores desafios e as potenciais maiores recompensas. Há, é certo, o argumento do uso indevido da força de trabalho do estagiário; o que, contudo, pode também ocorrer em departamentos jurídicos de empresas, no Ministério Público e na magistratura. Infelizmente, nem sempre se tem consciência da importância do estágio para a formação do estudante e para o sistema, que depende de novos e bons profissionais.
Trabalhar para melhorar esse grau de consciência é uma tarefa sobre a qual vale a pena refletir e investir.
Finalmente, é preciso considerar que o estágio representa perspectiva de inserção no mercado de trabalho e fonte de sustento. A constatação é dúbia, por certo. De um lado, ela aponta para uma espécie de desvirtuamento, próprio de sociedades injustas, que prejudicam infância e juventude diante do imperativo da sobrevivência. Idealmente, o financiamento social do estudo não deveria abranger apenas o ensino, mas as condições materiais de quem estuda.
De outro lado, a circunstância aponta para a realidade e lembra que, para além de professores e pesquisadores, a universidade forma outros profissionais dos quais depende a coletividade e que precisam/querem lutar por postos de trabalho. Então, nem o estágio deveria sequestrar o aluno da sala de aula, privando-o do aprendizado que o convívio acadêmico pode proporcionar, nem o aluno que almeja exercer a advocacia deveria esperar a conclusão do curso de graduação para, só então, descobrir um mundo igualmente rico, complexo e desafiador.
Que o estágio em escritórios privados possa continuar a ser alvo de fundadas e honestas críticas, sem que ele seja demonizado, para que também não seja preciso recorrentemente exorcizá-lo.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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