Descrição de chapéu
Jairo Malta

Em Bento Gonçalves, o trabalho não liberta

Seja em Auschwitz ou em vinícolas do Sul, fomos feitos para obediência e chicote

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Jairo Malta
Jairo Malta

Designer, fotógrafo e jornalista. É autor do blog Sons da Perifa.

São Paulo

No portão de entrada de Auschwitz, a frase "o trabalho liberta" dava a ilusão de que, para homossexuais, testemunhas de Jeová, ciganos e a grande massa judaica que era levada até lá, bastava trabalhar para serem libertados. O fim dessa história sabemos muito bem. Um dos vários argumentos dos nazistas era o de que as vítimas deportadas para o campo de concentração polonês eram preguiçosas e antissociais.

Esse discurso e essas ideias não morreram em 1945. Na terça-feira (28), o vereador Sandro Fantinel (Patriota), de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, pediu em seu discurso na Câmara Municipal para que "não contratem mais aquela gente lá de cima", referindo-se aos trabalhadores baianos. Fantinel disse ainda que empregados vindos da Argentina são melhores porque seriam "limpos, trabalhadores, corretos".

O vereador Sandro Fantinel (Patriota) em pronunciamento na Câmara Municipal de Caxias do Sul (RS) - Reprodução/TV Câmara no Youtube

As falas de ódio se devem aos 207 funcionários nordestinos libertados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de vinícolas de Bento Gonçalves (RS), que trabalhavam em regime análogo à escravidão e, segundo seus relatos, foram extorquidos, ameaçados, agredidos e torturados com choques elétricos e jatos de spray de pimenta.

O parlamentar afirma ainda que a "única cultura que os ‘baianos’ tem é viver na praia tocando tambor" —frase racista. Finaliza mencionando que eram bêbados e debocha do termo "análogo à escravidão".

O trabalho escravo permanece nas entranhas brasileiras. Chamar o baiano de festeiro e o argentino de limpinho é deixar nas entrelinhas que o branco é superior ao preto. E, como diria o influencer Negão da BL, "não adianta mentir, o racismo não vai acabar nunca".

Seja em Auschwitz ou nas vinícolas de Bento Gonçalves, para eles nós —negros, nordestinos, nortistas, indígenas e qualquer outra classe de povos originários— fomos feitos para o trabalho, para a obediência e para o chicote. E sem Carnaval, tambor ou amparo.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste artigo dava a entender que apenas imigrantes foram levados para Auschwitz, na Polônia.

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