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Ivana David e Willian Sampaio

Polícia Civil paulista: não são só números

Dados mostram paradoxo, pois nunca se prendeu e condenou tanto no estado

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Ivana David

Desembargadora no Tribunal de Justiça de São Paulo

Willian Sampaio

Advogado, foi subsecretário de Projetos Estratégicos (2007-08) e secretário-adjunto da Segurança Pública de São Paulo (2009-10; governo Serra)

Tem sido usual mostrar números ou gráficos para deixar uma situação parecer autoexplicativa, mesmo quando não é. Juntam-se a isso alguns especialistas para, equivocadamente, criticar a formação técnica da polícia e outros a dizer sobre a (má) qualidade da investigação, o que propicia arquivamento de inquérito (?).

Reportagem desta Folha ("SP tem mais policiais para cuidar de presos do que para investigar crimes", 6/3) é um exemplo. O texto diz, e aqui acertadamente, que, em números absolutos, toda a Polícia Civil soma 26.350 policiais, dados do final do ano passado, o que representa o menor efetivo da série histórica obtida pela Folha, iniciada em 1991. Já a Polícia Penal tem 29.241 servidores.

Viatura da Polícia Civil em garagem do Deic, na Av. Zachi Narchi, no Carandiru, zona norte da capital; instituição enfrenta problemas de efetivo e de estrutura - Rubens Cavallari/Folhapress - Folhapress

Os números por si só, entretanto, não consideram a evolução histórica e mostram um paradoxo, pois nunca se prendeu e condenou tanto. Em outra reportagem publicada pela Folha ("Número de presos em São Paulo quadruplica sob governos do PSDB", 20/5/19), há uma parte ponderável da equação: quando Mario Covas assumiu (1995, época da máquina de escrever), São Paulo tinha 55 mil presos. A mesma reportagem apontou que, em 2019, o número chegou a 235 mil presos —aumento substancial, sobretudo após a Lei Antidrogas. Bem por isso, o número de unidades prisionais saltou de 42 para 178 e, por consequência, o de agentes de segurança, hoje policiais penais, também cresceu.

De outro lado, embora haja sempre a necessidade de recompor quadros nas polícias, há outra parte ponderável: a tecnologia mudou o trabalho nos últimos 20 anos. A criação da Delegacia Eletrônica, a implantação do BO eletrônico e do inquérito policial eletrônico são exemplos disso. Essas ferramentas alteraram a rotina da parte que muito consome o trabalho da polícia judiciária por conta da vetusta legislação processual penal: a atividade cartorial.

O que a reportagem aponta é uma parte da discussão sobre segurança pública que passa pela gestão (número de policiais, salários, equipamentos, tecnologia), mas também, e necessariamente, pela revisão de legislação e financiamento.

O novo Código de Processo Penal, que tramita há 12 anos no Congresso Nacional, é um exemplo. Uma boa alteração, dentre outras mais, está na citação do réu, que poderia se dar por edital, inclusive. Hoje, como o denunciado não é citado, pois não o localizam no seu "endereço", ele sai pela porta da frente nas audiências de custódia, mesmo quando já deveria estar a responder por dois ou três crimes anteriores. A polícia faz sempre um retrabalho.

Mas falta, principalmente, ampliar o financiamento da segurança. Enquanto a média per capita de gastos com segurança pública pelos estados foi de R$ 478,22, em 2021, o governo federal investiu apenas R$ 62,23 —ou 0,4% do Orçamento da União, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Praticamente gasta-se com os fundos de segurança somente aquilo que as loterias arrecadam. Os estados e municípios estão estrangulados nos seus orçamentos —muitos acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal para gasto com pessoal, o que impede reajuste às polícias—, e a União mantém participação irrisória no financiamento da segurança. Nem sequer amplia os quadros da Polícia Federal.

Sem recursos, segurança pública é só discurso. Sem recursos, não haverá a justa alteração dos padrões salariais das polícias. Pouco vai se avançar.

O Estado deve estar perto do cidadão. O pressuposto é que violência não se resolve somente com repressão policial; a inclusão social e o sentimento de pertencimento da população são instrumentos de segurança pública. Entretanto, é necessário aumentar substancialmente o financiamento da segurança (com ou sem ministério da pasta), alterar a Lei Antidrogas, passando, inclusive, a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) para a competência da Saúde (um equívoco estar no Ministério da Justiça) e promover ajustes legais mais consentâneos com o mundo digital para dar celeridade aos processos.

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