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Raymundo Paraná

Os elos perdidos na medicina

Disseminação de informações equivocadas deteriorou relação médico-paciente

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Raymundo Paraná

Professor titular de gastro-hepatologia da Faculdade de Medicina da UFBA; ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia e da Associação Latino-Americana para o Estudo do Fígado

A evolução tecnológica é implacável na geração de desafios diante das sucessivas conquistas que precisam ser comunicadas à sociedade tempestivamente. Na área médica, o desafio é ainda maior, pois precisa conciliar a ética e a não maleficência ao se propagar uma informação acerca de propostas diagnósticas e terapêuticas.

A era cibernética trouxe o fácil e superficial acesso às informações, mas isso tem levado a imensas distorções de conteúdos, incluindo as fake news. Em paralelo, o leitor abdica da avaliação qualitativa da fonte.

O hematologista Breno Gusmão, do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, abraça a paciente Suely Pena após uma consulta de rotina - Eduardo Knapp - 26.ago.19/Folhapress

Já fazia tempo que a medicina tinha migrado do eixo meramente médico-centrista. O paciente, empoderado pela informação, tornou-se agente da sua saúde e não mais aceitou recomendações sem discuti-las. Esse aspecto é positivo, porém a facilidade em disseminar informações equivocadas feriu gravemente a medicina honesta e complicou a relação médico-paciente.

Este e outros aspectos pertinentes ao modelo assistencial da saúde no Brasil já tinham agravado a fidelização do paciente ao médico. Paulatinamente, a arraigada relação entre o paciente e o seu médico, pilar de uma assistência escrupulosa, foi substituída pela facilidade geográfica de acesso ou intermediação das operadoras de saúde.

Assim, fragilizou-se o elo entre o médico e o paciente, tornando-o algumas vezes tenso, quando deveria ser de confiança e harmonia. Já no lado do médico, a demanda por agendas densas levou a consulta médica a um nível de vulnerabilidade que não ajuda a resgatar a esgarçada relação.

Nesse cenário, o raciocínio clínico foi substituído pela demanda excessiva de exames descontextualizados e de fácil questionamento técnico. Esse aspecto ameaça o desfecho positivo na expectativa do paciente quanto ao seu agravo à saúde.

A já fragilizada relação médico-paciente recebeu um segundo golpe com a chegada das redes sociais. As informações imprecisas, inebriantes e ilusórias geraram no paciente dificuldade de discernimento entre o honesto e o desonesto, o científico e o empírico e, mais grave ainda, o benefício e o risco. Nessa falsa medicina das redes sociais, a forma tornou-se mais importante do que o conteúdo, aumentando ainda mais a dificuldade de comunicação entre médicos honestos e pacientes.

A exceção fica na conta de alguns profissionais que ainda conseguem manter assistência mais sólida na relação médico-paciente; contudo, muitos já não se encaixam neste modelo.


Para piorar, estamos vivendo um boom de escolas médicas no país sem entendermos a responsabilidade fiscalizatória. O controle na qualidade do profissional que é graduado parece incompatível com as habilidades que deveríamos exigir de um médico.

O modelo desagrada a todos e é gerador de conflitos entre médicos, pacientes e instituições. Ademais, estimula judicializações, eleva custos da assistência e desalinha expectativas.

Em resumo, o sistema está em risco, mas ainda não se vê uma política clara de enfrentamento. O momento exige criatividade e inovação.

Repensar o modelo é o caminho.

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