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Ricardo Viveiros

A visível força do invisível

Falácia comum é tratar economia como circunscrita ao universo financeiro

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Ricardo Viveiros

Jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto)

A "mão invisível" do mercado aparece só uma vez no livro "A Riqueza das Nações", de Adam Smith. Falta espaço? Não. São mais de mil páginas na edição da Companhia das Letras. A história dos vitoriosos consagrou a eficácia da iniciativa privada como antagônica ao Estado. Extremismos são superficiais, e o diálogo entre mercado e setor público é imprescindível. O totalitarismo, de direita e esquerda, não conseguiu uma teoria de Estado. Intelectuais já denunciaram as práxis que desmentem a fantasia de um regime que ignore a existência do capital privado, ou que faça dele selvagem realidade.

Falácia comum em parte da sociedade brasileira é tratar economia como circunscrita ao universo financeiro. Tal erro gera distorções nos investimentos nacionais e demoniza setores como educação, cultura, saúde e meio ambiente. A origem pode estar nos manuais de economia, que não discutem com o devido cuidado algumas áreas. Importante mudar!

A escultura de baleia na frente do Teatro B32, na Faria Lima, em SP
Escultura de baleia na avenida Faria Lima, centro financeiro de São Paulo - Marcelo Justo/Divulgação

Na Coreia do Sul, temos o exemplo. Em 1994, o filme "Jurassic Park", produção americana, havia rendido mais de US$ 1,4 bilhão, superando o faturamento da Hyundai, orgulho empresarial do país. O reconhecimento do fato foi um alerta, e o planejamento da economia local passou a tratar cultura como política de Estado. Os resultados vieram. Em 2019, a banda de k-pop BTS gerou US$ 1,45 bilhão de receita.

Segundo a Billboard, após shows nos EUA, tamanho sucesso só os Beatles. Na indústria cinematográfica, a Netflix aponta movimento sul-coreano de US$ 1,7 bilhão (2019). Em 2023 serão lançadas 34 novas produções.

Na contramão do mercado internacional, o Brasil andou negligente e preconceituoso no tratamento da cultura. O investimento em 2021 foi de apenas R$ 7 bilhões —o país teria que chegar a R$ 117 bilhões para, proporcionalmente ao número de habitantes, alcançar os resultados da Coreia, segundo estudo do design de políticas públicas Pedro Henrique de Cristo. A ONU afirma que o setor cultural é responsável por 3% do PIB planetário, empregando cerca de 30 milhões de pessoas. Dados do Ipea apontam que, antes da pandemia de Covid-19, o Brasil tinha cerca de 5,5 milhões de trabalhadores no setor. Número questionável —em razão da informalidade, pode ser bem maior.

Menos vítima de preconceito, mas tão desprestigiada quanto a cultura, a educação é primordial e tem consenso. Entretanto, o discurso demagógico não é capaz de impulsionar as necessidades de crescimento e liberdade por meio do saber. Consultores econômicos privilegiam outros setores, e a prova é o investimento público federal, que caiu de R$ 129,8 bilhões (2021) para R$ 123,7 bilhões (2022). A lógica não sustenta o progresso econômico almejado pelo Estado. O Censo Escolar 2021 (Inep) revela que há mais de 2,3 milhões de profissionais no setor. Destaque para a inclusão de mulheres, cerca de 80%.

Na saúde, foi necessária uma pandemia para que o setor fosse reconhecido. Ainda assim, o ímpeto do auge da Covid não se perpetuou como política pública. Discursos contra o investimento no cuidado com os cidadãos esbarram na narrativa do quanto se gasta. Errado. Saúde é vida, e a prevenção é o melhor plano. Segundo a IPC Maps, o faturamento do setor privado chegou próximo dos R$ 350 bilhões (2022). Apenas o pagamento a planos de saúde rendeu R$ 180 bilhões.

Na comparação entre 2020 e 2021, a educação teve um aumento de 1.962.750 para 1.976.724 trabalhadores, e os salários encolheram, em média, de R$ 4.686 para R$ 4.342. A saúde saltou de 2.557.994 profissionais para 2.718.399; salários foram de R$ 3.316 para R$ 3.166. A cultura saiu de tímidas 222.221 pessoas para 229.693, mas a remuneração caiu de R$ 2.593 para R$ 2.453. Empregos sem carteira assinada ou concurso público estão fora. No meio ambiente, a transversalidade dificulta quantificar o número de pessoas que atuam no setor e o potencial de crescimento econômico.
Cultura, educação, saúde e meio ambiente têm em comum a preservação e o desenvolvimento da vida.

Sem preconceito e olhando a longo prazo, cabe acreditar/investir no que sempre é grande promessa nas campanhas políticas e pequena realidade na gestão dos eleitos. O presidente Lula, ao tomar posse, disse: "É preciso colocar o pobre no Orçamento". Mercado, acredite: povo saudável, culto e instruído faz crescer a economia.

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