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Marcelo Miterhof

BNDES: lucros e fragilização

Banco precisa reforçar a sua capacidade de emprestar a taxas mais baixas

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Marcelo Miterhof

Economista do BNDES

Os resultados financeiros do BNDES em 2022, divulgados no último dia 14 de março, mostram uma situação paradoxal, mas útil para entender um banco de desenvolvimento.

O lucro líquido foi de R$ 41,7 bilhões. O valor é recorde, em termos nominais e reais (descontando a inflação). No entanto, o lucro recorrente foi de R$ 12,5 bilhões, obtido pela exclusão de eventos extraordinários, em especial os dividendos pagos pela Petrobras (R$ 17, 2 bilhões), o efeito contábil de reclassificação da JBS como não coligada (R$ 5,8 bilhões) e as vendas de ações (R$ 2,3 bilhões).

Sede do BNDES, no Rio de Janeiro - Lucas Tavares - 18.jul.2017/Folhapress - Lucas Tavares/Folhapress

Outro aspecto é a trajetória dos ativos totais. A carteira, que em 2014 era de R$ 1,4 trilhão, fechou 2022 em menos da metade, R$ 684 bilhões, patamar em reais equivalentes de 2008, mas bem inferior em proporção do PIB. Isso é explicado pela redução da carteira de crédito, pelas antecipações dos empréstimos da União ao BNDES de 2008 a 2014 e pela venda de participações acionárias.

Os desembolsos de 2000 a 2007 representavam cerca de 2% do PIB. Em 2021, tal número chegou ao piso de 0,74% do PIB e, em 2022, foi a 1%.

O quadro aponta duas conclusões. Primeiro, os altos lucros que o BNDES teve em 2022 e anos anteriores foram fruto principalmente do desempenho da carteira de ações formada até 2015, em especial na gestão de Luciano Coutinho: Petrobras, JBS, Vale, Suzano e Eletropaulo, entre outras, trouxeram alto retorno para o BNDES, cuja carteira teve de 2002 a 2022 mais que o dobro da rentabilidade do Ibovespa.

A segunda é que os lucros elevados ocorreram enquanto o BNDES se fragilizava. Isso porque a carteira de ações não foi reciclada: o usual é reinvestir de 10% a 20% dos valores vendidos. E porque a carteira de crédito vem caindo sistematicamente, em razão da queda da taxa de investimento e da perda de competitividade do BNDES com a criação da TLP, uma taxa de baixo uso no mercado e pouco adequada para quem sofre com restrição de crédito, enquanto o mercado de capitais contava com os subsídios de instrumentos financeiros incentivados.

Um banco que atua com ativos de tão longo prazo pode gerar altos lucros perdendo sustentabilidade financeira. A rentabilidade do trabalho feito no passado escamoteia o que ocorre no presente. A contrapartida é que a retomada das operações também vai demorar a se refletir nos resultados.

Mas não há outro remédio. O BNDES precisa ter condições de operar com fontes de recursos adequadas às necessidades para voltar a desembolsar no patamar de 2% do PIB. O banco precisa ter condições de captação de recursos compatíveis com o desafio de financiamento a projetos intensivos em externalidades. Condições especiais para tais projetos são justificadas pelo alto retorno social e por remover constrangimentos financeiros a investimentos eficientes e produtivos.

O BNDES também precisa voltar a ter na atuação com ações uma forma de apoiar investimentos mais desafiadores —de maior risco, mas maior chance de ganho— e de reforçar sua sustentabilidade e capacidade de emprestar a taxas mais baixas.

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