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O que a Folha pensa aborto

CFM em negação

Oposição ao aborto por telemedicina desconsidera ciência e desigualdades do país

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Pílulas de misoprostol, medicamento usado na realização de aborto legal no Brasil - George Frey/Reuters

O aborto é permitido no Brasil apenas quando a gravidez decorre de estupro, coloca em risco a vida da mulher ou é de feto anencéfalo.

Mas, mesmo nessas situações, gestantes têm dificuldades para exercer o direito, e médicos enfrentam barreiras para auxiliá-las.

O Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais abriu processo contra a ginecologista Helena Paro, que atua no Hospital de Clínicas de Uberlândia, para investigar o uso da telemedicina em aborto medicamentoso —que se dá quando a paciente toma o remédio (misoprostol) e vai para sua residência, de onde é monitorada pela internet ou pelo telefone.

O caso baseia-se numa portaria do Conselho Federal de Medicina de 1998, segundo a qual o medicamento só pode ser comprado e usado por hospitais cadastrados.

Contudo os procedimentos realizados por telemedicina têm respaldo em norma da Anvisa, de 2020, que permite o uso remoto de todas as drogas da chamada lista C —onde se enquadra o misoprostol.

Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), notoriamente contrário ao aborto, o mesmo CFM e o Ministério da Saúde emitiram notas e ofícios apontando efeitos adversos graves decorrentes do uso do medicamento fora do ambiente hospitalar. Mas tal discurso revela negacionismo científico.

Pesquisa britânica que analisou mais de 50 mil procedimentos verificou alto índice de sucesso (98,2%) e percentual ínfimo de efeitos colaterais graves (0,04%). A Organização Mundial da Saúde (OMS) atesta a segurança do aborto medicamentoso e recomenda a prática remota —útil sobretudo em regiões mais pobres.

Esse, por sinal, é um problema enfrentado no Brasil. Há desigualdades regionais na cobertura do SUS em diversas áreas e, em relação ao aborto, a distorção é patente.

Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina verificaram, em 2019, que os 290 estabelecimentos que realizavam aborto legal estavam em apenas 3,6% dos municípios. Essa disparidade e a pandemia levaram o Hospital de Clínicas de Uberlândia a oferecer o serviço monitorado a distância.

Não faz sentido que o CFM vá contra as evidências científicas e a realidade desigual brasileira.

O Ministério da Saúde, livre do negacionismo bolsonarista, já revogou portarias que dificultavam o aborto legal. Espera-se que normatize a prática por telemedicina, por razões de saúde pública.

editoriais@grupofolha.com.br

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