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Érico Andrade Marques de Oliveira

O Estado deve premiar a excelência?

Há risco de se criar forma sofisticada de exclusão social

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Érico Andrade Marques de Oliveira

Filósofo, psicanalista e pesquisador do CNPq, é professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia

Inicio este artigo com as seguintes questões: por que naturalizamos a ideia de que a distribuição de verbas públicas das agências de fomento deveria se pautar na "excelência acadêmica"; tal como ela é definida pelos pares de uma determinada área de conhecimento? As pessoas que não conseguem atingir a excelência por terem, por exemplo, certas dificuldades psíquicas ou possuírem algum grau de deficiência cognitiva não deveriam receber recursos públicos para a sua vida acadêmica? Seria a excelência um modo indireto de promover uma eugenia social no seio da vida universitária, discriminando quem pode ou não receber recursos para estar na universidade e na pós-graduação?

Os programas de pós-graduação que têm nas suas entradas pessoas com algum grau de deficiência cognitiva, por exemplo, devem ser penalizados na distribuição de recursos públicos, visto que essas pessoas poderiam ter dificuldades para a produção de um trabalho de excelência no mesmo nível exigido pelos pares? Ou, ainda, pessoas com algum transtorno psíquico, que não as permite cumprir os prazos das agências de fomento, devem ser excluídas para que o programa garanta as suas metas e, com isso, tenha mais recursos?

Protesto de alunos, professores e servidores da Educação contra corte de bolsas de mestrado e doutorado da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) - Roque de Sá - 15.mai.19/Agência Senado - Roque de Sá/Agência Senado

Vamos pensar na maior agência de fomento do país: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que distribui recursos públicos de acordo com a nota dos programas. A palavra aperfeiçoamento é bastante cara à filosofia contemporânea e envolve o debate sobre as questões relativas às modificações genéticas ou psicofarmacológicas, por meio das quais certos modelos de pessoas, as consideradas excelentes, são tomadas como parâmetro social para o qual as demais pessoas devem dirigir o seu aperfeiçoamento.

A palavra aperfeiçoamento caracteriza a Capes porque a ideia é de que a agência fomente uma qualificação das pessoas. Em ambos usos da palavra aperfeiçoamento há uma vagueza que é sequestrada pelo discurso capitalista de empenho e perfeição. Ou seja, o que poderia ser lido como um aperfeiçoamento de pessoas por meio de um fomento à sua qualificação esconde qual é o modelo de perfeição imposto tanto como norma de conduta da vida social quanto como critério para a distribuição de recursos públicos.

Notem que não estou questionando como os "pares" elegem o que é a excelência, mas o fato de que a excelência pode ser uma forma sofisticada de exclusão social por meio do financiamento público.

Ou seja, quando se determina que a excelência deve concentrar os recursos públicos se pode estar afirmando um modelo social que, longe de ser democrático, reflete formas de discriminação sociais que incidem sobre um espectro de pessoas que vão daquelas com severas dificuldades psíquicas àquelas com algum grau de deficiência cognitiva.

Se talvez ainda se queira apostar na excelência como critério para alguma coisa, que ela não seja o principal vetor para a distribuição de recursos públicos. Assim, poderemos evitar que o Estado mimetize o sistema que, por definição, é excludente.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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