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Vidal Serrano Nunes Júnior, Celso Fernandes Campilongo e Murilo Gaspardo

Uma falsa controvérsia

Pode e deve o presidente escolher, por suas convicções, o ministro do Supremo

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Vidal Serrano Nunes Júnior

Professor de direito constitucional e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP

Celso Fernandes Campilongo

Professor de teoria geral do Estado e diretor da Faculdade de Direito da USP

Murilo Gaspardo

Professor de teoria geral do Estado e vice-diretor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Unesp

Se um analista incauto, absolutamente alheio à realidade brasileira, fosse convidado a se manifestar sobre a nomeação de ministros para a Suprema Corte do país, certamente adotaria, como primeira providência, a leitura atenta de nossa Constituição. Dela extrairia que a nomeação é realizada pelo presidente da República, com aprovação do Senado, dentre brasileiros natos, com mais de 35 e menos de 70 anos, dotados de reputação ilibada e notável saber jurídico.

Estudando um pouco mais, logo intuiria que a Constituição brasileira agasalhou a separação de Poderes como princípio, criando um sistema de freios e contrapesos em que os Poderes da República devem ser independentes e harmônicos entre si, na linha do que preconizaram Montesquieu e os "founding fathers" da primeira Constituição que o mundo conheceu. Dentre estes, lembraria do que disse Alexander Hamilton: "Se os homens fossem anjos não seria necessário haver governos".

O advogado Cristiano Zanin, cotado como possível indicado de Lula para a vaga do ministro Ricardo Lewandowski no STF - Mauro Pimentel/AFP

Por isso mesmo, concebeu-se o sistema de freios e contrapesos, segundo a lógica de que só o poder controla o poder, arquitetando-se um sistema de controles recíprocos, de tal modo que o próprio sistema estivesse apto a prontamente conter os abusos de um de seus integrantes. Por isso, há mecanismos como o impeachment, o julgamento legislativo das contas da administração pública, o veto e a nomeação de ministros da Suprema Corte por indicação do chefe do Poder Executivo.

Logo, não teria dúvidas em afirmar que a "saúde" do Estado depende do exercício soberano das prerrogativas constitucionais que foram outorgadas a cada um dos Poderes, segundo os estritos termos dessa outorga.

Cabe ao presidente da República o exercício livre e soberano dessa prerrogativa, ou seja, preenchidos os requisitos constitucionais, deve livremente escolher quem entenda apto ao exercício da função, não importando seja um magistrado de carreira, um membro do Ministério Público ou um advogado —sendo claro, em todos os casos, que é inerente à natureza do processo de escolha um alinhamento político do indicado com a autoridade competente para a indicação, no sentido dos valores e da visão de Estado que orientarão a interpretação constitucional.

Deve-se agregar que a escolha do presidente não é absoluta, já que o indicado deve ser sabatinado e, por maioria absoluta, aprovado pelo Senado Federal, que, por sua vez, é integrado por representantes de todas as unidades federativas e do mais variado espectro partidário.

Falamos, quer em relação ao presidente, quer em relação aos senadores, de representantes legitimamente eleitos. E é de se ver que o mandato político tem os seus termos inscritos na própria Constituição da República, que prevê, pelo presidente, a escolha do ministro, e, pelo Senado, sua aprovação. Esse exercício constitui, em última análise, respeito ao princípio, insculpido no art. 1º, parágrafo único, de nossa Lei Maior, de que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Objetar-se esse legítimo poder de escolha, a que pretexto seja que não os elencados pelo texto constitucional, leva a uma subversão não só do necessário equilíbrio entre os Poderes como também do equilíbrio interno de cada um deles, já que outros presidentes fizeram suas escolhas seguindo parâmetros de confiança e legitimidade subjetivamente definidos por cada qual.

Parece-nos fora de dúvidas que a escolha correta é a que obedecer às regras do jogo, gerando o equilíbrio bosquejado pelo sistema, essencial à saúde das nossas instituições. Assim, pode e deve o presidente escolher aquele que, por suas convicções, melhor desempenhará essa magnânima função, seja ele um magistrado que já tenha obtido uma outra nomeação do próprio chefe do Executivo, seja ele integrante de sua administração ou seja ele que tenha, como advogado, patrocinado uma ou mais de suas causas.

Pode-se questionar a adequação dessas normas constitucionais, o que deve ser feito pelo caminho correto, no caso, eventual proposta de emenda à Constituição, com amplo debate na sociedade e no Parlamento sobre os caminhos que devam ser eventualmente palmilhados.


Todavia, ante o quadro normativo vigorante, cabe ao presidente —e exclusivamente ao presidente— a livre escolha; ao Senado, sua aprovação; e a todos, o respeito à Constituição.

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