A história registra um heroico exemplo, a Reconquista, quando um pequeno principado das Astúrias iniciou a retomada de territórios cristãos invadidos na Península Ibérica pelos árabes. Levou séculos, foi um trabalho feito com fé e competência.
A pacificação, quarteirão por quarteirão, em Nova York, nos anos 1990, seguiu a mesma estratégia progressiva. Com inteligência, participação popular e tolerância zero à falta de ordem, a cidade readquiriu seu prestígio como capital de negócios e de turismo.
O Rio de Janeiro vive hoje um clima de insegurança e informalidade generalizado, comprovado na distribuição de gás de botijão, de água, no "gatonet", nos camelôs, na venda de cargas roubadas, no domínio pelo tráfico e nas milícias de 1.200 áreas da cidade, diariamente disputadas a tiros por facções criminosas. Assim, a evasão de receitas e tributos, a insegurança e os homicídios desmoralizam o Rio.
Mirando-se na Reconquista e em Nova York para recuperarmos a ordem na cidade e respeitarmos o mercado e os clientes, devemos criar uma metodologia para tratar esses problemas.
O caso Light, onde o furto de energia em baixa tensão atinge quase 60%, pode ser emblemático para a solução de problemas de informalidade nas grandes cidades.
A ação deve se iniciar pelo reconhecimento da heterogeneidade do tecido urbano, ou seja, existem áreas mais fáceis e outras mais difíceis para a atuação da empresa. Deve-se começar pela blindagem das mais fáceis, antes que também mergulhem no caos.
Isso significa segmentar a concessão da Light, criando um grande território formado pelos bairros servidos pelo sistema subterrâneo, algumas áreas da zona norte, as concessões de geração, vitais para o suprimento de água, e os municípios do Vale do Paraíba. A receita dessa grande área deve ser suficiente para honrar as dívidas da empresa e, em conjunto com o Estado e outros interessados, urbanizar as favelas nela contidas, condicionalidades a serem impostas na prorrogação da concessão.
O próximo passo é o enfrentamento do furto de energia em bairros da zona oeste e na Baixada Fluminense, que seriam excluídos da área de concessão atual e divididos em duas ou três dezenas de cooperativas de eletrificação.
Nessas cooperativas, cada consumidor é coproprietário da rede de distribuição, o que faz dele um fiscal natural do seu funcionamento. Nelas, a Light entregaria energia em alta tensão em ponto a partir do qual, seguindo padrões técnicos adequados, cada cooperativa organizaria a distribuição de energia, a leitura dos consumos e o rateio da conta da Light. A inadimplência com a empresa seria punida com a suspensão dos serviços para aquela cooperativa. Haveria certamente um período de transição, de intensa doutrinação sobre os benefícios e responsabilidades de ser um cooperado.
Essa proposta, condizente com a legislação setorial, muda completamente a "persona" do inadimplente, fazendo da cooperativa que não se organizou a culpada pelo seu desprezo às regras de vida em sociedade e menos atrativa para os seus moradores. Não se trata de uma transferência de responsabilidade de um Estado incapaz para indefesos cidadãos, mas o fomento de uma estrutura mais adequada para comunidades de baixa renda, reforçando o civismo, a participação popular e a eliminação da "cidade partida".
O sucesso da Light nessa iniciativa pode beneficiar vários outros setores, que passam por desafios semelhantes, e eliminar a informalidade em áreas complexas do Rio de Janeiro, em uma solução onde todos têm algo a ganhar.
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