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Elisa Cruz

Nenhum casamento infantil deve ser reconhecido

Lei dos 16 anos não prevê consequências para frequentes uniões informais

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Elisa Cruz

Professora da FGV Direito Rio

A divulgação do casamento do prefeito de Araucária (PR) com uma adolescente de 16 anos tem mobilizado as redes sociais e reavivado debates que movimentos de direitos de criança e adolescente têm discutido há tempos: medidas de redução dos casamentos infantis (casamentos formais e informais) e de solução das consequências em favor de crianças e adolescentes que estejam nessa situação.

Se até 2019 não havia mínimo legal para os casamentos infantis, a lei 13.811 estabeleceu que uniões só podem ser realizadas a partir dos 16 anos de idade. A falha da lei é não estabelecer o que acontece se crianças e adolescentes com menos de 16 anos vierem a se casar, ou, ainda mais coerente com a realidade brasileira, se crianças e adolescente com menos de 16 anos de idade formarem uniões informais assemelhadas às uniões estáveis.

O prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini, 65, que se casou com uma adolescente de 16 anos - @hissamoficial no Instagram - hissamoficial no Instagram

A quantidade de casamentos oficiais de crianças e adolescentes com menos de 19 anos de idade, segundo o IBGE, é baixa (muito embora deveria ser zero); o problema é que a taxa de uniões informais é muito alta.

Na compilação de dados do registro civil de 2018, o IBGE apurou a existência de 89.746 casamentos de crianças, adolescentes e jovens mulheres entre 15 e 19 anos. Nenhuma criança ou adolescente homem com menos de 15 anos de idade se casou no período, e apenas 50 casamentos de crianças, adolescentes e jovens homens entre 15 e 19 de idade constaram na mesma pesquisa. Podem ser poucos se comparados aos milhões da população brasileira como um todo, mas são inúmeras as crianças e adolescentes em desproteção legal.

A relevância estatística dos casamentos infantis são um bom parâmetro sobre o nível de envolvimento de um país com os direitos humanos e, em especial, com os direitos humanos de crianças e adolescentes —porque casamentos infantis estão intimamente relacionados com evasão escolar, possibilidade de transtornos mentais, violência de gênero, exclusão social e gravidez precoce com riscos à saúde da gestante, do nascituro e do recém-nascido.

Milena (nome fictício), que se casou aos 14 anos com um homem bem mais velho - Mathilde Missioneiro - 29.nov.21/Folhapress - Folhapress

Desde 2019, com a aprovação da lei 13.811, não houve a implementação de política pública orientada à redução dos casamentos infantis. Aliás, a aprovação da lei deveria ter considerado a proibição do casamento abaixo dos 18 anos de idade, em cumprimento à proteção integral da infância e adolescência que o Brasil comprometeu-se em seguir com a assinatura em 1990 da Convenção sobre Direitos da Criança; e, tendo optado pela idade mínima de 16 anos, deveria o legislador brasileiro ter previsto as consequências sobre casamento ou união informal de crianças e adolescentes abaixo da idade legal.

Assim, o Brasil está atrasado tanto sob a perspectiva da redução/eliminação dos casamentos infantis como em relação ao tratamento das consequências legais dessas imorais uniões. Se em algum momento quisermos, de fato, proteger crianças e adolescentes, teremos que enfrentar esse triste histórico permissivo do casamento infantil e ter a coragem de condená-lo em qualquer hipótese ou circunstância quando envolver pessoas com menos de 18 anos de idade.

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