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Antonio Carlos Moreira

O 13 de maio é uma data a ser celebrada no país? SIM

Nosso ancestrais festejaram: ignorar efeméride é desdenhar o papel de lideranças negras

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Antonio Carlos Moreira

Jornalista especializado em comunicação comparada (ECA-USP), é autor de “História do Café no Brasil: Liberais, Conservadores e a Derrocada do Escravismo” (ed. Magma)

"Houve sol, e grande sol, naquele domingo em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Respirávamos felicidade, tudo era delírio." Assim um dos maiores escritores brasileiros, Machado de Assis, bisneto de escravos, narrou a euforia em 13 de maio de 1888.

O delírio das ruas atravessou a madrugada —o que levou um jornal carioca, no dia seguinte, a reclamar das "aglomerações em círculos, com música de requebros em plena rua do Ouvidor". Não era para menos: os 700 mil africanos ainda escravizados cantavam livres das correntes e dos açoites.

Cento e noventa três anos antes, em 20 de novembro de 1695, Zumbi dos Palmares era aprisionado e morto. Apesar do heroísmo, a barbárie perdurou supliciando milhares de quilombolas. As novas lideranças negras, a partir dos anos 1850, passaram a se mobilizar em outras duas estratégias: influenciar a opinião pública por meio de associações e na atuação política.

Primeira página do Diário Popular, de São Paulo, noticiando a Lei Áurea, em 1888
Primeira página do Diário Popular, de São Paulo, noticiando a Lei Áurea, em 1888 - Folhapress

Seu papel decisivo até a assinatura da Lei Áurea, contudo, foi minimizado na historiografia tradicional. Prevaleceu a versão de um movimento moderado, conduzido por elites brancas e consumado pela regente do Império, a princesa Isabel. A redução do protagonismo negro se refletiu mesmo em correntes acadêmicas progressistas. Entre elas, a historiadora Célia Maria Marinho de Azevedo cita a chamada escola paulista e seus principais autores: Florestan Fernandes, Emília Viotti da Costa, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso.

Nas duas últimas décadas, trabalhos acadêmicos resgataram a presença ativa negra no abolicionismo. De acordo com Ana Flávia Magalhães Pinto, doutora em história e diretora-geral do Arquivo Nacional, a sociedade brasileira tem dificuldade em enxergar que gente negra faça história. "Acusamos as mazelas sociais que se mantiveram sobre a maioria da população negra e os crimes diários de racismo. Porém, ignorar a data é calar-se ao apagamento de heróis e heroínas, cujas lutas históricas culminaram na abolição."

Batalha pela abolição já ocorria nas províncias brasileiras anos antes da assinatura da Lei Áurea, e reunia escravos, negros libertos, pessoas da classe média e da alta sociedade
Batalha pela abolição já ocorria nas províncias brasileiras anos antes da assinatura da Lei Áurea e reunia escravos, negros libertos, pessoas da classe média e da alta sociedade - André Valente/BBC Brasil

Diferente da tese, por exemplo, de que a abolição interessava aos fazendeiros e ao capitalismo que emergia a partir da Inglaterra, o movimento incluía propostas como reforma agrária e indenização aos libertos —ao que reagiu um proprietário paulista: "Não se descobre na Lei Áurea uma só disposição favorável ao senhor". Angela Alonso, pós-doutorada em sociologia e colunista desta Folha, contextualiza: "Foi o tempo das balas". Do lado do movimento, José do Patrocínio, um dos líderes negros, conclamou: "Os abolicionistas sinceros estão todos preparados para morrer".

Devemos rejeitar, sem dúvida, a versão "embranquecida" da Lei Áurea, mas também recusar a exclusão das personagens negras do movimento histórico. Se reverenciadas como devem nas escolas, crianças se sentirão representadas por aquelas trajetórias. Encantar-se-ão, por exemplo, com as 550 retratadas no livro "Enciclopédia Negra" (2009).

Denunciamos o aumento da violência contra as mulheres e a redução de direitos da classe trabalhadora, mas celebramos o 8 de março e o 1º de Maio. Da mesma forma, acusamos as mazelas sociais mantidas sobre a maioria da população negra e os crimes diários de racismo —ignorar a data, contudo, significa desdenhar o papel das lideranças negras na vitória sobre o desumano regime escravocrata.

Nossos ancestrais, que sentiram na pele e na alma os horrores do cativeiro, não tiveram dúvidas em festejar o 13 de maio.

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