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Por que mulheres morrem por pré-eclâmpsia no Brasil?

É possível reduzir índice trágico com medidas simples, acessíveis e de baixo custo

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Esta segunda-feira (22) é marcada pelo Dia Mundial de Conscientização da Pré-Eclâmpsia. Trata-se de uma doença que acontece na gestação, caracterizada, principalmente, pela hipertensão arterial associada com complicações em diversos órgãos sistêmicos. Mulheres podem morrer por este problema na gestação, no parto ou no puerpério, sendo eventos trágicos de alcance global e ainda um enorme desafio a ser enfrentado em todo o mundo.

Basta tomar ciência de alguns números para se ter a dimensão desse desafio. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 94% das mortes por pré-eclâmpsia ocorrem em países de baixa ou média renda, sendo a maioria classificadas como evitáveis. No Brasil, em 2020, de acordo com o DataSus, do Sistema Único de Saúde, para cada 100 mil nascidos vivos (NV) ocorreram 1.964 óbitos maternos, exibindo uma razão de 74,2 mortes para 100 mil NV —índice alarmante quando comparado com países como o Japão, que exibe razão de 5 mortes a cada 100 mil NV.

Mulher negra grávida
Mulheres negras estão mais sujeitas a complicações na gestação, parto e puerpério - DCStudio/Freepik - DCStudio/Freepik

É importante salientar que as mortes maternas de 2020 tiveram um acréscimo significativo em vista do impacto da Covid-19, porém seria razoável supor que o número de mortes deva diminuir em 2023 e voltar aos patamares de 50 a 60/100 mil; isso em uma visão otimista, considerando o que vivenciamos, infelizmente, nos últimos anos.

Em nosso país, há uma distribuição heterogênea da mortalidade materna (MM). Ela é muito mais expressiva nas regiões Norte e Nordeste do que no Sul e Sudeste, o que se justifica pela desigualdade socioeconômica das diversas regiões, diferenças educacionais, infraestrutura inadequada de atendimento e acesso aos serviços de saúde qualificados, resultando em assistência pré-natal e no parto de forma deficiente. Uma análise da OMS relacionada às mortalidades maternas observa que, nos países do Caribe e da América Latina, incluindo o Brasil, prevalecem como principais causas as síndromes hipertensivas da gestação e, dentre estas, principalmente, a pré-eclâmpsia.

Diante desse cenário de impacto global, um grupo colaborativo internacional tem trabalhado em diversas ações, o que inclui destacar anualmente a data de 22 de maio como o Dia Mundial de Conscientização da Pré-Eclâmpsia e sensibilizar as pessoas sobre o impacto da doença na morte das gestantes em todo o mundo. O foco é buscar ampliar o conhecimento desse problema entre as mulheres e profissionais de saúde.

Para além da fundamental ampliação do conhecimento geral, é factível reduzir a incidência de pré-eclâmpsia e as taxas de suas complicações com a implantação de medidas simples, acessíveis, de baixo custo e com enorme impacto na prática clínica. O início do pré-natal o mais precoce possível é uma dessas ações, onde já se consegue identificar alguns fatores de riscos clínicos para a doença, tais como obesidade, presença de hipertensão arterial antes da gestação, diabetes, doença dos rins ou autoimune, como lúpus, gravidez por reprodução assistida, gestação com gêmeos, histórico familiar ou própria de pré-eclâmpsia —ou, ainda, intervalo maior de dez anos entre gestações e primeira gravidez com idade de 35 anos ou mais.

Tão logo esses fatores de risco sejam identificados no pré-natal, o profissional de saúde pode dar orientações simples, mas eficazes, para a redução do impacto do problema, como a prescrição diária de 100 miligramas de ácido acetil salicílico (AAS, a aspirina) a partir de 12 semanas de gestação. Durante esse período, também é importante que as gestantes tenham à disposição a reposição com carbonato de cálcio via oral (1,0 g por dia), que é de baixo preço e com evidências consistentes por seu custo efetivo. Estima-se que a introdução dessas prescrições de forma rotineira poderia reduzir em 9,6 mortes a cada 100 mil nascimentos por ano em nosso país. Se for possível, ampliar a alimentação com uso diário de cálcio obtido em alimentos como leite, queijos, verduras verdes escuras (couve, brócolis) e peixes, como a sardinha.

Profissionais de saúde que prestam assistência a gestantes também devem ficar atentos na identificação precoce das fases iniciais do problema diante da elevação da pressão arterial, da necessidade de hospitalização dessas gestantes e da antecipação do parto, mesmo diante da prematuridade. Fundamental considerar também o acompanhamento de longo prazo, com planejamento familiar, e avaliação de risco cardiovascular e renal. Tais ações são relevantes e com alto impacto na saúde materna e perinatal.

Informação e cuidado são os pilares para se combater a doença. Com esse pensamento, membros da Rede Brasileira de Estudos sobre a Hipertensão na Gravidez (RBEHG) propuseram ao Ministério da Saúde projetos que visem alcançar "zero morte materna por pré-eclâmpsia". O esclarecimento à população e o treinamento dos profissionais de saúde, com ações de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce são capazes de diminuir a mortalidade por hipertensão na gravidez. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) também apoia tanto na educação continuada quanto na discussão da pré-eclâmpsia em congressos, assim como na emissão de protocolos adequados, procurando trazer luz a esse grave problema nacional.

Apesar das dificuldades, parece encorajador saber que ações efetivas e com custo reduzido podem ser otimizadas. A ação e a colaboração de prestadores de saúde às gestantes (gestores, enfermeiras, médicos clínicos, médicos de saúde da família e obstetras) e um pacto que garanta maior segurança para todas as gestantes e para o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS, tornam-se fundamentais. É o caminho para que o país combata de maneira definitiva essa doença.

Nelson Sass
Professor livre-docente do Departamento do Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp)

Ana Cristina Pinheiro Fernandes de Araujo
Professora do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Maria Laura Costa do Nascimento
Professora associada do Departamento de Tocoginecologia da Unicamp

Edilberto Alves P. Rocha Filho
Professor-adjunto de Obstetrícia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

José Geraldo Lopes Ramos
Professor titular de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

José Carlos Peraçoli
Professor sênior do Departamento Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp)

* Os autores são integrantes da Rede Brasileira de Estudos Sobre Hipertensão na Gravidez (RBEHG)

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