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Por que não precisamos de uma lei contra a discriminação de políticos

Instituições financeiras precisam relatar casos de alto risco envolvendo PEPs

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Maíra Martini

Especialista em fluxos financeiros ilícitos da Transparência Internacional

O PL 2720/2023, aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada, tipifica como crime a negativa do oferecimento de serviços financeiros a pessoas politicamente expostas (PEPs), caracterizado como "discriminação de políticos".


O principal ponto que o projeto pretende abordar é que as PEPs —e aquelas ligadas a elas, como familiares diretos e sócios— não devem ser discriminadas ao tentar acessar o sistema financeiro pelo simples fato de serem pessoas politicamente expostas. E isso está correto.

O problema é como o projeto se propõe a lidar com os casos considerados como discriminação.
As PEPs são aquelas que ocupam determinadas posições de poder e, portanto, correm um risco maior de abusar em seu benefício pessoal da função que lhes foi confiada.

Dessa forma, a recomendação global contra a lavagem de dinheiro criada pelo Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) estabelece que as instituições financeiras e outras pessoas que participam de transações com PEPs tenham mais cautela. Quando um cliente for identificado como PEP, um membro da família ou um associado, as instituições financeiras, como medida preventiva, devem implementar verificações aprimoradas.

O simples fato de uma pessoa ser politicamente exposta não define o nível de risco —apenas requer uma análise mais aprofundada, como a verificação das fontes de riqueza e fundos da PEP, a exigência de aprovação da gerência ou o monitoramento contínuo das transações. Se uma PEP for considerada de alto risco, a instituição financeira precisará decidir medidas de mitigação —desde o monitoramento contínuo até o fechamento de uma conta e a comunicação de uma transação suspeita à unidade de inteligência financeira (Coaf).

Sede do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em Brasília
Sede do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em Brasília - Reprodução/TV Globo

O problema, no entanto, é que, em alguns casos, as instituições financeiras preferem não se envolver com determinadas categorias de indivíduos porque consideram que o envolvimento consome muito tempo ou recursos. Isso é chamado de "de-risking" e tem afetado o acesso ao sistema financeiro por determinados indivíduos e setores, especialmente ONGs. E isso também pode afetar PEPs.

Como evitar abusos e garantir a implementação simplificada das obrigações de combate à lavagem pelas instituições financeiras?

O projeto impõe às instituições financeiras o ônus de demonstrar, de forma objetiva, o motivo pelo qual uma conta não pode ser aberta ou um serviço é negado, criando uma punição pesada, inclusive pena de prisão, para aqueles que não o fizerem.

Há dúvidas sobre como essa disposição pode ser implementada sem interferir em outros princípios importantes no combate à lavagem de dinheiro, como confidencialidade e riscos de denúncia. Se uma instituição financeira encontrar motivos suficientes para não iniciar ou para encerrar um relacionamento devido a um alto risco de lavagem de dinheiro, isso não poderá ser informado à PEP.

Em nossa opinião, o caminho não deve ser uma nova lei, mas a aplicação da legislação atual, para que órgãos reguladores e supervisores garantam que as instituições financeiras estejam implementando corretamente suas obrigações, sem que estas tenham consequências indesejadas, como restringir o acesso ao setor financeiro, a menos que haja um forte motivo para isso.

As instituições financeiras são consideradas guardiãs do setor financeiro. E é papel das autoridades garantir que elas estejam fazendo seu trabalho adequadamente.

Na Transparência Internacional, temos analisado casos de corrupção transnacional nos últimos 30 anos e o que vemos, na maioria das vezes, é que as instituições financeiras não fazem o suficiente. Não fazem perguntas suficientes, não monitoram PEPs de alto risco, não relatam transações suspeitas relevantes em tempo hábil.

Se quisermos coibir a corrupção e a lavagem de dinheiro, o foco deve ser garantir que as instituições financeiras identifiquem e relatem casos de alto risco envolvendo PEPs e outros para que os casos de corrupção e abuso possam ser detectados mais cedo e efetivamente.

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