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Deputados legislam em causa própria ao votar PL que altera norma anticorrupção

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Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF) - Pedro Ladeira/Folhapress

Quando a Câmara dos Deputados aprova um projeto de lei à noite, após uma tramitação repentina e com endossos da esquerda à direita, convém desconfiar.

Passava das 21h de quarta-feira (14) quando os parlamentares começaram a votação de um texto que favorece as chamadas "pessoas expostas politicamente", ou PEPs —uma classificação na qual eles próprios se incluem. A proposta, apresentada há menos de um mês, escapou do devido debate em três comissões temáticas da Casa.

No plenário, o projeto recebeu 252 votos favoráveis e 163 contrários. No primeiro grupo estava a maioria das bancadas presentes de partidos tão diversos quanto PT, PDT, MDB, PSD, PP, União Brasil e Republicanos.

O que mobilizou o esforço concentrado de tantas forças políticas foi o intento nada desinteressado de interferir em recomendações legais para o tratamento das PEPs, em particular na rede bancária —e, mais do que isso, impor penas a instituições financeiras que venham a criar obstáculos às pessoas enquadradas em tal condição.

Nesse rol estão os detentores de mandatos eletivos no Executivo e no Legislativo da União, ministros de Estado e de tribunais superiores, entre outras autoridades que são alvo de cuidados especiais estabelecidos pela legislação, assim como parentes e representantes.

Tais normas, que seguem padrões internacionais, buscam reforçar o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro —e foi contra isso que a Câmara acintosamente atuou com presteza inaudita.

É verdade que foram retirados alguns dos dispositivos mais escandalosos do projeto, como penas mais elevadas em casos de injúria contra PEPs. Entretanto o que sobrou ainda é muito problemático.

De modo genérico, o texto pretende punir "discriminação" contra pessoas politicamente expostas, o que pode dar margem a todo tipo de interpretação quanto ao alcance do termo. Pior, a regra é estendida a quaisquer réus de processos judiciais em curso.

Há previsão de dois a quatro anos de prisão, além de multa, a quem negar abertura de conta-corrente ou concessão de crédito devido à condição de PEP —o que obviamente configura intimidação aos bancos ou, na pior hipótese, bom pretexto para os que não desejam adotar as cautelas necessárias.

Chega a ser difícil compreender a estratégia da Câmara com a tramitação tão obviamente açodada do projeto, mas não se deve subestimar o profissionalismo do mundo político quando se trata de legislar em causa própria.

Resta esperar que o Senado ao menos promova um debate minucioso e transparente da matéria, se é que dela há algo a ser aproveitado.

editoriais@grupofolha.com.br

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