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Silvio Pessanha Neto

É urgente definir os critérios de qualidade dos cursos de medicina

Investir em unidades de ensino no interior pode reduzir escassez de médicos

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Silvio Pessanha Neto

Médico, professor e doutor em neurologia, é CEO do Instituto de Educação Médica – Idomed da Yduqs

Dados da Demografia Médica 2023, consolidados pelo Conselho Federal de Medicina, revelam um panorama desafiador: as 49 cidades com mais de 500 mil habitantes do país concentram hoje 32% da população e 62% dos médicos em atividade. Já os 4.890 municípios com até 50 mil habitantes —onde moram 65,8 milhões de pessoas, que representam cerca de 25% dos brasileiros— reúnem apenas 8% dos profissionais.

Ainda segundo o CFM, o Brasil conta atualmente com 545,5 mil profissionais da área, o que representa uma taxa de 2,56 médicos por mil habitantes, índice similar ao de países desenvolvidos como Canadá (2,7), Estados Unidos (2,6) e Japão (2,5).

Entrada da Unicid Pinheiros, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress - Folhapress

Parece conflitante que, a despeito dos números acima, haja escassez de profissionais em diversas unidades do Sistema Único de Saúde, o SUS, particularmente em cidades distantes dos grandes centros urbanos ou nas periferias das capitais. Afinal, se há cada vez mais médicos se formando no Brasil, o que explica essa carência?

Temos uma oferta de escolas e médicos regionalmente desequilibrada, com concentração significativa no Sudeste e nas capitais, fazendo com que os estudantes que desejam se formar em medicina migrem para grandes centros, inclusive de outros estados. Dados de um estudo da USP mostram que 70% dos profissionais formados em escolas médicas localizadas no interior permanecem exercendo a medicina em municípios também do interior do país, em contraste com apenas 17% dos formados em capitais e 22% em regiões metropolitanas. Isso sugere que a manutenção e implantação de cursos de medicina no interior, feitas de forma ordenada e estruturada, podem colaborar para aumentar o número de médicos nessas áreas —desde que ocorram também ações que garantam a melhoria das condições de trabalho e a remuneração do profissional.

Tal implantação deve ser acompanhada de um compromisso com a qualidade do ensino. Isso significa investir na inserção local —planejada, contratualizada, longitudinal e abrangente, desde a atenção primária até o sistema hospitalar— e num plano pedagógico robusto, com investimentos contínuos e consistentes direcionados à formação, à capacitação contínua e ao desenvolvimento do corpo docente. Sem mencionar, é claro, os recursos, igualmente amplos, em tecnologia, instalações e metodologia.

É possível reverter o panorama inicial? Sem dúvida. A rentabilidade dos cursos de medicina permite esses investimentos em qualidade. Para tanto, contudo, é necessário alinhar mercado e políticas públicas, estabelecendo um padrão decisório que discipline novos cursos ou vagas para a medicina visando atender às reais necessidades da sociedade e identificando em que local um curso médico deve ser implantado ou mantido.

Os instrumentos de avaliação precisam ser atualizados, e esse mesmo padrão deve embasar a revisão de todos os cursos de medicina atualmente em funcionamento. Mais ainda, é necessário criar programas de monitoramento para que as escolas deficientes possam se recuperar. Isso garantirá que a eventual expansão dos cursos de medicina e a revisão regulatória para manutenção das vagas existentes estejam norteadas pela qualidade do ensino.

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