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O que a Folha pensa Argentina

Guinada argentina

Com derrocada econômica, primárias para Casa Rosada reforçam oposição à direita

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Javier Milei, Patricia Bullrich e Sergio Massa, presidenciáveis das eleições primárias na Argentina - AFP

Tornou-se quase eufemístico descrever a situação da Argentina como uma crise. Mais do que transtornos conjunturais, o país vizinho vive há anos um processo de degradação das instituições econômicas e de dissenso político que inviabiliza as reformas necessárias.

É nesse contexto que se dá a ascensão de um candidato exótico, Javier Milei, o mais votado nas primárias para a Casa Rosada realizadas no domingo (13). A tendência a uma guinada se completa com o segundo lugar obtido pela coalizão oposicionista a ser encabeçada pela conservadora Patricia Bullrich.

As primárias são uma peculiaridade do sistema eleitoral argentino. Antes do pleito, cujo primeiro turno está marcado para outubro, os eleitores manifestam previamente suas preferências nas urnas, de modo a eliminar candidaturas irrelevantes e a definir disputas dentro dos partidos e coalizões.

O rito mostrou a força espantosa de Milei, um deputado que se define como "anarcocapitalista" e é classificado, a depender do ponto de vista, como de extrema direita, ultraliberal ou libertário.

É mais útil apresentar seu ideário e sua conduta. Economista com passagem pelo setor financeiro, ele prega cortes radicais de despesa pública e redução drástica de regulações do Estado —com um voluntarismo que parece desconhecer obstáculos legais e políticos.

Discursa contra a política, embora seja um congressista. Nesse aspecto, aproxima-se do bolsonarismo, do qual recebe manifestações de simpatia. Defende o acesso a armas e combate o aborto. Com frequência se expressa de modo chulo e recorre a bravatas.

Já Patricia Bullrich foi ministra da Segurança do ex-presidente Mauricio Macri, liberal que governou o país de 2015 a 2019 e fracassou em seu programa de ajustes. A presidenciável adota uma retórica linha-dura contra a criminalidade.

O governismo peronista, representado pelo ministro da Economia, Sergio Massa, ficou em um modesto terceiro lugar das primárias —efeito óbvio de uma inflação que passa dos 100% ao ano enquanto a administração recorre à emissão de moeda para fechar suas contas, elevando a pobreza, a desigualdade e a fome.

A eleição argentina é realizada em dois turnos, o que, ao menos em tese, contribui para a aglutinação de forças e a moderação de discursos. Há tempo para uma reconfiguração do cenário eleitoral.

Mais difícil, no entanto, será um entendimento nacional mínimo em torno das medidas necessárias para superar o enorme atraso de um país ainda preso na agenda dos anos 1980, sem dispor nem mesmo de uma moeda crível e dependente do socorro financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI).

editoriais@grupofolha.com.br

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