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O que a Folha pensa drogas

Prende-se muito e mal

Com lei nebulosa, combate às drogas no Brasil não distingue usuário e traficante

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Procurador de Justiça aposentado sugere intervenção federal em São Paulo diante do caos na cracolândiaerno em São Paulo
Operação policial na cracolândia, em São Paulo (SP) - Danilo Verpa/Folhapress

No Brasil, a repressão a drogas se caracteriza, em grande medida, por prender por tráfico pessoas sem qualquer relação com facções criminosas, como mostram resultados preliminares da pesquisa "Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas".

O levantamento, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que em apenas 13% dos processos analisados há menção às facções. Confirma-se em números o que já se intui a partir das práticas judicial e policial: prende-se muito e mal por tráfico de entorpecentes no país.

A Lei de Drogas, de 2006, não definiu a quantidade de substância ilícita que qualificaria uso individual, o que torna nebulosa a distinção entre usuário e traficante.

Ao analisar 41 mil processos de tribunais estaduais com decisões no primeiro semestre de 2019, o estudo esmiúça a engrenagem judicial que produz desigualdades sob a justificativa do combate ao crime.

A maioria dos processados é homem (87%) jovem (72%) negra (67%), com baixa escolaridade (75%), desempregada ou autônoma (66%) —e possui passagem anterior pela Justiça (50%).

Em 80% dos casos, os réus permaneceram presos de forma preventiva durante o processo, inchando ainda mais o sistema carcerário.

A forma como as denúncias chegam ao Judiciário é digna de nota. Investigação por órgãos especializados, como Polícia Civil, responde por apenas 20% dos processos. A maioria do restante tem origem em ações nas ruas da Polícia Militar.

Revela-se, assim, a preferência pelo policiamento ostensivo, em detrimento da inteligência em apuração, que pode atingir facções criminosas ligadas ao tráfico.

O levantamento mostra ainda que as polícias usam justificativas genéricas para abordagens, como patrulhamento (32,5%) e denúncia anônima (30,9%). Neste último caso, em 93% dos processos, há só menção genérica às denúncias, sem registro do autor ou do conteúdo do relato.

O tema está em debate no Supremo Tribunal Federal. O julgamento se encontra suspenso com placar de quatro votos a zero em favor da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.

Trazer mais objetividade à lei pode contribuir para a redução do encarceramento massivo de negros e pobres como traficantes. Já o Congresso deveria desenhar uma política de drogas que seja justa e eficaz.

editoriais@grupofolha.com.br

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