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Laico intolerante

Veto francês à túnica árabe em escolas atenta contra liberdade individual

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Mulher vestida com abaya durante evento em Riad (Arábia Saudita) - Fayez Nureldine/AFP

Um dos movimentos capitais da marcha civilizatória foi a separação entre Estado e igreja. O divórcio foi bom para o poder público, que ficou livre de dogmas para fazer leis baseadas na razão, e para as próprias religiões, que não precisavam mais temer a opressão exercida por uma fé dominante.

Os maiores beneficiários, contudo, foram os cidadãos, que ganharam autonomia para decidir se querem ou não seguir uma crença e, em caso afirmativo, escolher qual.

Não há país que tenha implementado essa cisão de forma mais decidida do que a França, que desde a revolução de 1789, e especialmente a partir de 1905, vem cultivando com zelo a secularização. Talvez até com excesso de zelo.

O ministro da Educação francês, Gabriel Attal, anunciou que as escolas do país não permitirão mais que alunas usem a abaya (túnica árabe) em suas dependências. Pelo novo entendimento da pasta, esse adereço viola a Lei da Laicidade de 2004, que já vetara o hijab (véu islâmico) e outros "símbolos ostensivos" de religiosidade.

A França faz muito bem em proibir crucifixos nas paredes de prédios oficiais (exceto museus) e melhor ainda em impedir professores de utilizá-los. Os mestres, afinal, são representantes do Estado quando estão em sala de aula e devem, portanto, incorporar valores republicanos como a laicidade.

Esse raciocínio, porém, não se aplica aos alunos. Diferentemente dos professores, que escolheram trabalhar para o poder público, os pupilos estão na escola porque a lei assim exige.

Nessas condições, privá-los de portar símbolos que eles entendem ser importantes para suas identidades individuais parece um fardo excessivo. No limite, a laicidade está se contrapondo a liberdades individuais, que também fazem parte do pacote republicano.

Cabe lembrar ainda que a abaya não é propriamente um ícone religioso —ao menos não como o crucifixo para os católicos, a estrela de David para os judeus ou o turbante para os sikhs.

A túnica está entre o religioso —o Alcorão exige que mulheres se vistam "com modéstia", mas não especifica como— e o étnico, já que o traje é típico no norte da África e na Península Arábica, mas não em outras terras muçulmanas.

Ao investir contra a abaya, o Estado francês volta a legislar sobre vestimentas, o que soa como um retrocesso a períodos bem pouco iluministas da história.

editoriais@grupofolha.com.br

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