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Marcelo Fleury

A urgência de iniciativas além da educação midiática

Pensar de maneira crítica certamente não é tendência, mas nunca saiu de moda

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Marcelo Fleury

Jornalista, é consultor em comunicação e educação

O efeito mais nocivo na era da disputa da atenção é o declínio de um atributo primordial dos seres humanos: pensar. Soa sarcástico, mas se deve à seguinte conjuntura paradoxal: a mesma tecnologia que impulsiona grandes avanços na medicina e na exploração das fronteiras do universo (por exemplo) nutre alarmante retrocesso cognitivo geracional quando assume sua forma mais conhecida —a da tela na sua frente.

O jornalismo e seus profissionais lidam há mais de década com a reestruturação de Redações e contendas eventuais com big techs —houve um momento em que pareciam querer revestir seus conteúdos com a credibilidade chamada "mídia tradicional", mas Mark Zuckerberg preferiu o modelo mais simples e lucrativo de centrar a engrenagem em torno da produção aleatória pelos próprios usuários.

O problema é que, hoje, esse modelo também desafia a educação, impacta a cidadania e dissolve a capacidade crítica. Se o acesso infinito à informação é a maior contribuição do ambiente digital, as plataformas desenharam seus negócios de maneira a criar uma moeda virtual que não é cripto, tem menos volatilidade e se negocia em altos volumes diariamente. Chama-se "engajamento" —a quantidade de interações dentro de um conteúdo.

Dessa lógica, sempre "aperfeiçoada" para potencializar retornos financeiros, decorre a recompensa óbvia a quem estimula instintos primitivos com controvérsias, teorias da conspiração e notícias falsas. A polêmica inventada, se construída em cima do ódio ou da paixão, alimenta a moeda do algoritmo. A isso se soma a tentativa de manter o usuário ali dando a oportunidade do scroll infinito, fazendo com que gire a roda desse modelo que torna efêmero o pensamento profundo —e constante o raciocínio raso.

Como defendido acima, esse fato silencioso e corrosivo merece alerta e enfrentamento. A lucidez individual se fragmenta, o senso crítico se dissolve em emojis e, como numa fissão nuclear, as pessoas são empurradas para opostos de forma a dividirem os demais em apoiadores ou oponentes. Como na divisão atômica, liberam uma tremenda quantidade de energia no processo, na forma do já conhecido "engajamento". Sem saber, ocupam todos a mesma bolha.

A busca pela recompensa imediata inibe o raciocínio lógico, anula a criatividade, estimula o ódio e impede que se percebam as nuances da realidade. Enquanto você hesita, uma hashtag já resolveu o dilema. No caminho pedregoso que leva a dúvida ao esclarecimento, surge o atalho fácil do julgamento sumário de alguém ou algo, com a rapidez adequada para retornar a tempo de seguir com o scroll da tela em busca de mais uma gorjeta do algoritmo.

Embora não faça distinção etária, o mal de pensar mais por reflexo que por reflexão é pior entre os jovens. A aptidão inata e essencialmente humana de pensar criticamente se tornou, de repente, uma habilidade a ser conquistada (!), desenvolvida e acompanhada.

Não à toa, a educação midiática ganha espaço nos currículos escolares e na formação pessoal e profissional. É um avanço que fornece instrumentos para reconhecer vieses, interpretar fatos, avaliar interesses e identificar farsas. O empenho, no entanto, deve se expandir além da mídia, porque é um problema social mais profundo.

Não existe uma fórmula padrão para instigar a curiosidade persistente. Apenas se sabe que ela é a indutora original de questionamentos mais complexos, das dúvidas que levam a descobertas e do pensamento por conta própria —a tão aclamada autonomia.

Cultivar a chamada aprendizagem contínua, que nada mais é do que aprender algo novo sempre, completa, com a educação midiática e o pensamento crítico, o trio de possíveis soluções (ao menos no conceito) para encorajar uma postura que Gonzaguinha há tempos definiu como "a beleza de ser um eterno aprendiz".

Pensar de maneira crítica é uma necessidade urgente que deve ser tema de políticas públicas e contribuições da sociedade. Certamente não é uma tendência. Por outro lado, nunca saiu de moda.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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