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Diogenes Mizumukai Rodrigues

A agonia do varejo

Ineficientes, redes tradicionais devem buscar novo modelo de negócios

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Diogenes Mizumukai Rodrigues

Advogado tributarista, é especializado em direito digital e M&A; sócio-fundador de BMFK Sociedade de Advogados

Ao revelar sua crise bilionária, no início deste ano, a rede Americanas trouxe a público a grave crise que corrói o varejo brasileiro, de forma ainda mais acentuada nos últimos três anos. O setor atribui o declínio ao cenário macroeconômico do país, com alta dos juros, inflação e retração do poder de compra. Conjunto agravado pela pandemia de Covid-19, que trouxe definitivamente para a vida dos cidadãos as compras via internet. Essa mudança de comportamento levou a participação do e-commerce no varejo de 5,8% para 20% entre 2019 e 2021.

Tais fatores justificam em grande parte, mas não esgotam as razões da crise sistêmica do setor, cujo valor de mercado caiu até 90% desde o início da escalada de juros, em meados de 2021. Segundo a TradeMap, nosso varejo encolheu um PIB do Uruguai no período.

Fachada de loja da Americanas no Park Shopping, em Brasília. - Gesival Nogueira/Ato Press/Agência Globo - Ato Press

Para além da rede Americanas, a retração afetou outras grandes, como Renner, Riachuelo, Via Varejo e Magalu. Segundo o Valor Data divulgou em janeiro, com base na análise do balanço de 48 empresas, o endividamento do setor cresceu 176% nos dois últimos anos, resultado de empréstimos feitos pelas redes entre 2015 e 2016.

O declínio revelou a ineficiência das redes tradicionais, que tinham no varejo físico uma âncora que amarrou seu desempenho, com despesas em locação de espaço físico, mão de obra, comissão sobre vendas e soluções administrativas ultrapassadas.

Em movimento oposto, Mercado Livre e Shopee, por exemplo, surfaram a onda do ecommerce e explodiram em faturamento. Como? Há peculiaridades importantes.

O Mercado Livre dominou, como nenhum outro varejo no Brasil, o modelo de "cross border" (comércio sem fronteiras), com a venda de produtos para outros países. Ganhou eficiência tributária e garantiu retorno expressivo na margem de lucro. Além disso, com a estrutura de marketplace, inseriu no mundo digital pequenos negócios, como os armarinhos da rua 25 de Março, em São Paulo. Colocou-os lado a lado na disputa com as grandes redes, só que com uma eficiência tributária incrível, porque essas lojas estão no Simples Nacional, enquanto as grandes varejistas seguem a tributação ordinária, bem mais onerosa. Tudo isso garante ao Mercado Livre lucros até quatro vezes maiores que o de redes tradicionais.

No caso da Shopee, há uma lacuna legislativa tributária relacionada à importação —e vale para varejistas chinesas que estão no Brasil. Boa parte das importações vem direto da China, no modelo cross border. Têm preços mais competitivos, produtos diversificados e variedade de marcas estrangeiras. Em 2022, o ecommerce "cross border" foi a escolha de 72% dos brasileiros entrevistados pela NielsenIQ Ebit para o relatório Webshoppers 47 —ou seja, 108 milhões de pessoas compraram online, a maior porcentagem registrada desde o início do estudo, em 2013.

É imperativo rever o modelo de negócios, ganhar eficiência tributária e, neste momento de reformas, garantir uma legislação que torne iguais os diferentes; isto é, ter uma câmara de compensação entre os encargos da cadeia produtiva brasileira e os ganhos fiscais garantidos às importações. Fugir desse desafio é decretar a morte do varejo brasileiro.

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