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Julio Vasconcellos

A ameaça do paternalismo na inteligência artificial

Qualquer discussão sobre regulação deve considerar os custos que ela impõe

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Julio Vasconcellos

Sócio-fundador do fundo de venture capital Atlantico; fundador do Peixe Urbano, foi o primeiro representante do Facebook no Brasil

Nas asas do ChatGPT, a inteligência artificial (IA) capturou o imaginário do mundo. Não à toa. O software conversacional da OpenAI marca o "momento iPhone" da nova era computacional. Essa mudança tectônica é uma das principais que analisamos em relatório anual do Atlantico, recém-publicado, sobre a transformação digital. Vemos em IA o potencial de ser o "grande equalizador" de muitos dos desafios profundamente enraizados que o Brasil ainda tem.

Isso depende, é claro, de sermos inteligentes (com o perdão do trocadilho) para capitalizar na oportunidade. Nossa população está pronta para receber de braços abertos o que de melhor emergir desse movimento. Segundo pesquisa que fizemos com a Atlas Intel, 58% dos brasileiros com opinião formada esperam mudanças positivas advindas da inteligência artificial.

Rosto da cantora Elis Regina, inserido por inteligência artificial em comercial da Volkswagen, ampliou o debate acerca dos direitos de uso de imagem em criações visuais com IA - Reprodução - DIVULGAÇÃO

Com disponibilidade de tecnologia, que incógnitas ainda ameaçam uma honrosa cruzada tupiniquim por essa "grande equalização"? Possivelmente, nossa regulação.

É legítimo o debate sobre os riscos da IA. Há preocupações que se amplificam na esteira de questões éticas contemporâneas, como respeito à privacidade e combate a vieses discriminatórios. A regulação é uma arma necessária nessa luta.

Qualquer discussão de regulação, no entanto, precisa também considerar os custos que ela impõe. Em evento que nosso fundo de venture capital organizou neste ano para fomentar a adoção de IA pela comunidade empresarial, Sam Altman, CEO da OpenAI, foi categórico: governos não podem só pensar em mitigar ameaças, precisam também maximizar o potencial criativo da nova tecnologia.

Nesse sentido, os movimentos regulatórios iniciais que assistimos no Brasil preocupam. Dentre os projetos, destaca-se o PL 2.338/2023, projeto de lei que visa regulamentar o uso da IA no país.

O problema central do que é proposto é o nível injustificável de fricção imposto para a criação e o emprego de IA no país. Se aprovado, o texto vai exigir, por exemplo, que qualquer desenvolvedor trabalhando em projetos de inteligência artificial faça antecipadamente uma avaliação complexa e custosa para a classificação de risco do seu projeto.

Não bastante, vários dos critérios para essa avaliação são definidos de forma muito vaga e genérica no texto atual. O conceito de "sistema de inteligência artificial" é muito amplo e engloba aplicações já utilizadas há décadas e de impacto positivo provado. Tudo isso significa que empreendedores e inovadores terão que carregar um duro fardo regulatório se quiserem se aventurar com a nova tecnologia. Não é assim que se faz inovação.

Nossos maiores desafios são de interesse central do Estado. Nossas crianças sofrem com déficits educacionais brutais, em especial as pobres ou distantes de grandes centros. O cenário é análogo na medicina, ainda incapaz de atender as necessidades da maioria dos brasileiros.

Ambas as questões podem ser muito atenuadas por ferramentas de IA. E os brasileiros parecem saber disso: 74% veem valor em IA aplicada no suporte a consultas médicas e 70% em prover assistência estudantil. Ainda assim, são questões classificadas no PL como de "alto risco" para a IA, sofrendo ainda mais sanções dos que as já descritas.

Não estamos em posição de desperdiçar a oportunidade. Temos uma escolha a fazer, cujas implicações ecoarão por gerações no país. Que o Brasil escolha sabiamente o seu caminho.

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