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Meta de déficit zero em 2024 não inspira confiança, mas pior seria abandoná-la

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Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Simone Tebet, ministra do Planejamento - Adriano Machado/Reuters

O projeto de Orçamento para 2024, recém-apresentado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), indicou um roteiro esperado —a continuidade da expansão acelerada da despesa federal e a necessidade de um colossal e improvável aumento da carga tributária para viabilizar a meta de eliminar o déficit nas contas do Tesouro Nacional.

Trata-se de desdobramento de imprudências da gestão Jair Bolsonaro (PL), que desfigurou o teto de gastos, e da atual, que antes mesmo da posse associou-se ao Congresso para aprovar uma ampliação de dispêndios de R$ 150 bilhões anuais, muito além do necessário para os compromissos sociais.

Elaborado sob a nova regra fiscal, o Orçamento prevê desembolsos de R$ 2,188 trilhões, equivalentes a 19,2% do Produto Interno Bruto, mesmo patamar deste ano. Na prática, há um crescimento acima da inflação de 1,7%.

A estabilidade em proporção do PIB parece até otimista, considerando medidas como o aumento real do salário mínimo e seu impacto na Previdência Social.

A volta da vinculação das despesas em saúde e educação a percentuais mínimos da receita demandará R$ 58,5 bilhões. Emendas parlamentares de execução obrigatória absorverão R$ 37 bilhões.

Para equilibrar as contas será necessário uma alta de receitas de 17,8% do PIB, em 2023, para 19,2%. A diferença, de 1,4% do produto, corresponde a algo como R$ 160 bilhões —que dependerão de medidas ainda em tramitação no Congresso, se é que estão corretas as estimativas de ganhos com elas.

Não surpreende, assim, que haja grande ceticismo em relação à peça orçamentária, para o qual contribuem pressões abertas e veladas por um afrouxamento prematuro da meta de déficit zero (com intervalo de tolerância de 0,25% do PIB).

A ala política do Planalto e o PT temem que o compromisso force contingenciamentos de gastos no provável cenário de arrecadação abaixo do previsto, afetando programas vistosos como o PAC.

O descumprimento da meta, além disso, obrigaria uma redução no ritmo de crescimento das despesas em 2026, um ano eleitoral.

Por mais que o objetivo pareça pouco plausível, contudo, pior será abandoná-lo. Estaria criado um estímulo poderoso para a busca por mais gastos, no Executivo e no Congresso, e sepultadas as chances de reformas e ajustes.

Por ora prevaleceu a posição da equipe econômica —mas o futuro a Deus pertence, conforme o comentário revelador da ministra do Planejamento, Simone Tebet.

O futuro não é nada promissor para a estratégia do governo petista de concentrar todo o esforço de equilíbrio orçamentário no aumento da arrecadação.

A seu favor, o Planalto tem a expansão surpreendente do PIB, que deve se aproximar aos 3% neste ano. O avanço tende a contribuir para as receitas e proporcionará indicadores mais favoráveis para a dívida pública, normalmente avaliada como proporção do produto.

Foram obtidas vitórias no Judiciário e no Congresso capazes de elevar a coleta de impostos, mas uma tentativa de alta brusca de uma carga já exagerada pode ter consequências negativas para a atividade.

Cumpre recordar que já tramita no Congresso uma boa reforma tributária, o que desaconselha intervenções excessivas no sistema.

O patamar desejado de 19,2% do PIB para as receitas é difícil de ser obtido e, mesmo assim, só resultará nos superávits necessários se o gasto público crescer em ritmo inferior ao da economia.

Trabalhar nessa frente é inescapável, como já percebeu e anunciou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao defender a retomada do debate da reforma administrativa.

Há também providências de impacto mais imediato a serem examinadas. Nesse rol está a revisão de programas sociais obsoletos e mal desenhados, como o abono salarial. A recente multiplicação dos valores do Bolsa Família, que corretamente tem foco nas famílias mais carentes, deveria levar a um redesenho de outras ações.

É imperativo racionalizar as emendas parlamentares, conectando-as ao planejamento do Executivo, mas isso, como tudo mais, dependerá das condições políticas.

Pior será, porém, sucumbir à tese de que a alta contínua das despesas é uma imposição natural e viável. Tal caminho já custou ao país uma década de empobrecimento.

editoriais@grupofolha.com.br

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