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Allan Rocha e Luca Schirru

Direitos autorais em xeque

Substitutivo de projeto de lei reduz espaço e papel de criadores e artistas

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Allan Rocha

Professor da UFRJ e da UFRRJ, é presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais

Luca Schirru

Pesquisador na KU Leuven (Bélgica), é diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais

Os debates envolvendo direitos autorais nunca são simples —e muito menos livres de controvérsias. Ressurgem periodicamente nos espaços públicos, invariavelmente acompanhados de discursos emotivos.
O enfrentamento e a superação das questões prementes que impactam o ambiente artístico e cultural são ainda mais dificultados quando os direitos autorais são instrumentalizados para a realização de objetivos que não seu aperfeiçoamento.

No último dia 12 de agosto, o deputado Elmar Nascimento (União-BA) protocolou substitutivo ao projeto de lei 2370/19. Seu escopo é restrito e pontual e, se aprovado, enterra as demais questões importantes do PL original. O objetivo publicamente declarado é nobre e busca "enfrentar o grave e urgente problema da remuneração insuficiente das obras protegidas em ambiente digital".

Artistas se reúnem com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, em Brasília, no início de maio, para defender pagamento de direitos autorais na internet - Divulgação

Ainda que seu escopo seja restrito, as propostas são abrangentes. E seus principais beneficiados são as empresas nacionais de radiodifusão e as produtoras de audiovisual, inclusive estrangeiras. Os ganhos têm nome e endereço certos —e não serão os autores e artistas, muito menos os de outros setores.

Extremamente problemática é a criação, sem qualquer justificativa, de um novo e inédito direito conexo para os produtores de audiovisual, que adiciona uma nova camada de titularidade original para empresas, reforça o já desproporcional poder de controle da obra e imposição de condições contratuais e, consequentemente, reduz o espaço e papel dos criadores e artistas.

Ainda que busque limitar essa camada de poderes unicamente à remuneração no ambiente digital, tal contenção é juridicamente frágil, e sua expansão judicial é o cenário mais provável. Além do mais, é desnecessário para os fins que pretende, pois a remuneração dos produtores já está plenamente garantida no proposto art. 88-A.

A remuneração dos autores e artistas merece destaque. Embora estabeleça (art. 88-A, 1º) que autores e intérpretes do audiovisual tenham direito à remuneração, não afasta a incidência das condições contratuais, como o faz com as obras musicais (art. 88-B). Ainda que o § 3º do art. 88-A estabeleça uma obrigação de remuneração "para o caso de a prestação tornar-se extremamente vantajosa para uma das partes em virtude de acontecimento extraordinário", o dispositivo é claramente insuficiente para lidar com o problema que propõe solucionar e serve apenas como promessa vazia. Perde-se a oportunidade de instituir ferramentas que efetivamente beneficiem autores e artistas, como uma remuneração equitativa obrigatória, independente do pagamento estabelecido contratualmente.

Bastante arriscada é a ampla definição de provedor inserida na alínea "c" do inciso XV do artigo 5º. Sem as ressalvas existentes anteriormente no PL das Fake News, acabará por sujeitar as instituições educacionais e de pesquisa, públicas ou de interesse público, às mesmas condições das atividades empresariais, com imprevisíveis consequências.

Apesar de alguns avanços, o substitutivo do relator ao PL 2.370/19 cria mais problemas que soluções e definitivamente precisa ser revisto ou enterrado!

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