Os debates envolvendo direitos autorais nunca são simples —e muito menos livres de controvérsias. Ressurgem periodicamente nos espaços públicos, invariavelmente acompanhados de discursos emotivos.
O enfrentamento e a superação das questões prementes que impactam o ambiente artístico e cultural são ainda mais dificultados quando os direitos autorais são instrumentalizados para a realização de objetivos que não seu aperfeiçoamento.
No último dia 12 de agosto, o deputado Elmar Nascimento (União-BA) protocolou substitutivo ao projeto de lei 2370/19. Seu escopo é restrito e pontual e, se aprovado, enterra as demais questões importantes do PL original. O objetivo publicamente declarado é nobre e busca "enfrentar o grave e urgente problema da remuneração insuficiente das obras protegidas em ambiente digital".
Ainda que seu escopo seja restrito, as propostas são abrangentes. E seus principais beneficiados são as empresas nacionais de radiodifusão e as produtoras de audiovisual, inclusive estrangeiras. Os ganhos têm nome e endereço certos —e não serão os autores e artistas, muito menos os de outros setores.
Extremamente problemática é a criação, sem qualquer justificativa, de um novo e inédito direito conexo para os produtores de audiovisual, que adiciona uma nova camada de titularidade original para empresas, reforça o já desproporcional poder de controle da obra e imposição de condições contratuais e, consequentemente, reduz o espaço e papel dos criadores e artistas.
Ainda que busque limitar essa camada de poderes unicamente à remuneração no ambiente digital, tal contenção é juridicamente frágil, e sua expansão judicial é o cenário mais provável. Além do mais, é desnecessário para os fins que pretende, pois a remuneração dos produtores já está plenamente garantida no proposto art. 88-A.
A remuneração dos autores e artistas merece destaque. Embora estabeleça (art. 88-A, 1º) que autores e intérpretes do audiovisual tenham direito à remuneração, não afasta a incidência das condições contratuais, como o faz com as obras musicais (art. 88-B). Ainda que o § 3º do art. 88-A estabeleça uma obrigação de remuneração "para o caso de a prestação tornar-se extremamente vantajosa para uma das partes em virtude de acontecimento extraordinário", o dispositivo é claramente insuficiente para lidar com o problema que propõe solucionar e serve apenas como promessa vazia. Perde-se a oportunidade de instituir ferramentas que efetivamente beneficiem autores e artistas, como uma remuneração equitativa obrigatória, independente do pagamento estabelecido contratualmente.
Bastante arriscada é a ampla definição de provedor inserida na alínea "c" do inciso XV do artigo 5º. Sem as ressalvas existentes anteriormente no PL das Fake News, acabará por sujeitar as instituições educacionais e de pesquisa, públicas ou de interesse público, às mesmas condições das atividades empresariais, com imprevisíveis consequências.
Apesar de alguns avanços, o substitutivo do relator ao PL 2.370/19 cria mais problemas que soluções e definitivamente precisa ser revisto ou enterrado!
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