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André Trindade

Não podemos falar em cura do autismo

Psicomotricidade abre campo de prevenção precoce, mas jornada é longa

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André Trindade

Psicólogo (PUC-SP) com formação em neuroaprendizagem pelo IPq (HCFMUSP); autor de “Gestos de Cuidado, Gestos de Amor” e “Mapas do Corpo” (Summus Editorial)

Hoje sabemos que a intervenção precoce é capaz de prevenir a evolução de diversas patologias: quanto antes identificadas, melhores serão as condições de tratamento.

Um estudo recente (2022), publicado pela revista Nature, indica que o empobrecimento da movimentação espontânea de bebês, avaliados aos 4 meses de idade, podem configurar quadros de autismo detectados posteriormente, a partir dos 18 meses. Uma luz aponta para a motricidade como um dos elementos centrais na constituição do psiquismo do bebê. Piaget já havia observado que o pensamento humano parte da experiência sensorial e motora dos dois primeiros anos de vida. Freud (1923) afirmou que "o ego é antes de tudo corporal". Piret e Béziers, fisioterapeutas francesas, já nos anos 1970 e 1980 descreveram minuciosamente a coordenação motora do bebê, indicando que falhas nesse sistema podem abrir campos para o desenvolvimento do autismo e do déficit de atenção, entre outras desordens. Estamos no domínio da relação indissociável entre corpo e psique. A oftalmologia, por exemplo, avança na descrição dos mecanismos que constituem o olhar "alheio" característico do autista, que dificulta e impacta a formação do vínculo com a mãe.

Coração composto por peças de quebra-cabeças coloridos
Quebra-cabeça simboliza a conscientização em relação ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) - Bikki por Pixabay - Bikki por Pixabay

Diante de tantas descobertas, não demoraria para que aventureiros redescobrissem a América e prometessem a cura do autismo para mães e pais fragilizados. Veremos esse "business" se expandir com a oferta de pacotes de tratamentos em poucas sessões, técnicas de correção, dietas e, pior, diagnósticos precipitados que irão incluir erroneamente crianças fora do espectro. Ao final, não sabemos ao certo se aqueles diagnósticos estavam corretos ou se as crianças corresponderam às expectativas cravadas sobre elas.

Um diagnóstico errado pode causar grandes estragos na vida de crianças e suas famílias. Outro risco são os diagnósticos caseiros realizados a partir de informações obtidas na internet. O aspecto positivo dos estudos recentes é que incluímos o olhar sobre o corpo do bebê. Podemos desde cedo ajudá-los na integração dos sentidos, como visão, audição, tato e sensações profundas do corpo, tão dissociadas para eles; protegê-los de sua hipersensibilidade inata, que os fazem fechar-se para o mundo; restabelecer a organização postural, que facilita as trocas afetivas, as posições de enrolamento e agrupamento que proporcionam o "aninhamento" no colo —intervenções que podem evitar o agravamento dos quadros.

Ainda assim, será necessário seguir com o acompanhamento. O trabalho com o autista é interdisciplinar e de longo prazo. A cada nova etapa do desenvolvimento, novos desafios serão apresentados. Adaptações e ajustes serão necessários em busca de maior autonomia, melhores condições de manejo social e diminuição do sofrimento de "ser diferente", metas que muitos conseguem atingir. Para isso, é fundamental que saibamos mais sobre o assunto. Assistimos ao aumento do número de "laudos" atestando o autismo em crianças lançadas nas salas de aulas sob a responsabilidade de professores que nem sempre foram preparados para tal inclusão. O papel dos psicólogos na escola (mais de um, por favor) é imprescindível.

Muitas famílias recebem esses diagnósticos e permanecem igualmente desamparadas. O TEA, ou Transtorno do Espectro Autista (DSM-5), inclui uma grande variedade de expressões, desde as mais leves até as mais graves. Embora compartilhem traços em comum, cada sujeito é único, tanto em suas dificuldades quanto em suas qualidades.

Antes de querer transformá-los para que se pareçam "iguaizinhos" a nós, deveríamos nos perguntar o que nos falta para permitir que eles existam como sujeitos, com as peculiaridades que os definem como tal.

Até o presente momento, não podemos falar em cura do autismo. A psicomotricidade abre um novo campo de prevenção precoce, mas a jornada é longa. A vida em sociedade é o maior desafio para esses indivíduos. Façamos nossa parte: acolher as diferenças e acreditar que com elas virão novas formas de pensar e novas condições de ser no mundo.

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