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Francisco Cardoso

O INSS deve implantar a perícia médica online? NÃO

Há riscos com conectividade, sigilo, falta de pessoal e qualidade da avaliação

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Francisco Cardoso

Perito médico federal, é vice-presidente da Associação Nacional de Médicos Peritos (ANMP)

A teleperícia tem sido alvo de debate em diferentes esferas públicas. As promessas de quem a defende são sedutoras: economia de tempo, expansão do alcance a regiões afastadas e uma suposta agilidade no exame. No entanto, ao olharmos mais de perto, encontramos uma série de obstáculos intransponíveis à sua implementação.

Inicialmente, vale considerar o atual cenário tecnológico do Brasil. O país ainda luta para fornecer uma infraestrutura de internet minimamente confiável em todas as suas regiões. Diversos cidadãos, especialmente os que residem em áreas rurais ou economicamente desfavorecidas, enfrentam barreiras significativas, como conexões de baixa velocidade ou mesmo a ausência total de acesso. Afirmar que a teleperícia pode beneficiar justamente essas áreas é, no mínimo, um paradoxo, já que são as localidades mais desprovidas de tecnologia.

Funcionário do INSS atende segurada na agência Santa Cruz, zona sul da capital paulista - Fábio Munhoz/Folhapress - Folhapress - Folhapress

No âmbito do INSS, os desafios se agravam. As agências não possuem conectividade adequada para sustentar um sistema eficiente de teleperícia. Assim, essa medida será certamente mais lenta do que uma perícia presencial. Além disso, a implementação de uma estrutura tecnológica avançada requer investimentos expressivos —algo inviável no curto ou médio prazo, em razão da insuficiência de recursos públicos.

No que tange ao número de profissionais, a teleperícia não traz, por si só, uma solução. Mantém-se o paradigma de um perito por segurado, não abordando o atual déficit de profissionais especializados. Há também preocupações práticas e éticas. A perícia médica é uma atividade complexa, que vai além de uma simples conversa. A avaliação remota impõe limitações consideráveis a essa interação, levantando incertezas sobre a regularidade das análises. E como garantir que o ambiente do segurado seja, de fato, seguro e sigiloso? Por conta disso, o Conselho Federal de Medicina considera antiético realizar perícias dessa forma.

Questões de privacidade são igualmente perturbadoras. Imagine uma situação em que uma mulher, vítima de agressão, tenha que expor traumas em um ambiente que não ofereça a segurança e a confidencialidade de um consultório médico. Ademais, com o crescente número de vazamentos de dados e preocupações sobre privacidade online, como garantir que informações sensíveis não sejam expostas ou usadas de forma inadequada? A teleperícia, inadvertidamente, criará uma atmosfera de desconfiança.

Sabendo que estão sendo observados e gravados, os pacientes podem não se sentir à vontade para compartilhar todas as informações necessárias para o exame.

Por certo, a introdução da teleperícia irá amplificar as desigualdades existentes. Aqueles já marginalizados —por falta de recursos, acesso limitado à tecnologia ou outras barreiras socioeconômicas— podem se tornar ainda mais vulneráveis. A teleperícia, em vez de ser uma solução inclusiva, representará mais um obstáculo no caminho de muitos.

Em resumo, a implantação de uma "perícia médica virtual" pelo INSS não irá atender os interesses da sociedade, mas aprofundará as desigualdades sociais de acesso à Previdência. A medida não irá resolver o problema das filas e tornará o segurado mais exposto e fragilizado, privando-o de sua segurança, seu sigilo e sua liberdade de comunicação.

Por certo, o INSS e outros órgãos devem abandonar a ilusão da teleperícia e investir na recomposição do quadro de servidores. A Previdência brasileira exige seriedade.

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