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Pecado tributário

PEC que amplia imunidade de igrejas e partidos avança por conveniência política

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Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), deputado federal - Ricardo Borges - 26.fev.19/Folhapress

Faz mais de 75 anos que igrejas e partidos políticos, entre outras instituições, desfrutam de generosa regalia no Brasil. Por força da Constituição, tais entidades não pagam impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços promovidos por elas, em uma benesse que contempla as esferas municipal, estadual e federal.

Não satisfeito com essa proteção constitucional, o deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), da bancada evangélica, quer mais. Ele propõe ampliar a imunidade tributária de maneira a incluir também a aquisição de bens e serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação dos serviços.

A diferença textual soa pequena, quase irrisória. O parlamentar argumenta que sua proposta de emenda à Constituição nada mais faz que transpor para a Carta Magna entendimento reiterado pelo Supremo Tribunal Federal; seria apenas uma maneira de evitar desnecessários embates administrativos e judiciais.

Pode ser. Com ainda mais razão, contudo, caberia o raciocínio oposto: dadas as inúmeras ocasiões em que igrejas e partidos se viram às voltas com dívidas milionárias e suspeitas de desvios, a fiscalização sobre eles deveria crescer, não ser afrouxada por meio de uma PEC.

Quando apareceu na Constituição de 1946, depois da Era Getúlio Vargas, o dispositivo da imunidade tributária tinha o objetivo de assegurar a liberdade de culto e partidária, impedindo a criação de impostos e contribuições que onerassem minorias religiosas e políticos de oposição.

É fácil constatar que nada disso está em risco hoje, ainda mais quando se conhecem as cifras movimentadas por algumas igrejas. São os cofres públicos, isso sim, que padecem com o desequilíbrio duradouro entre receitas e despesas.

Os deputados, entretanto, não demonstram vontade de conduzir esse tipo de discussão. De forma ecumênica, da situação à oposição, da esquerda à direita, parecem evitar atitudes que possam ser tachadas de antirreligiosas, temendo, sem dúvida, o efeito eleitoral de vídeos bem editados e disseminados nas redes sociais.

Vá lá que não queiram mudar o que já se inscreveu há décadas na Constituição Federal; não será esse, afinal, o dispositivo responsável por nossas mazelas. Mas que aceitem ceder ainda mais para quem já tem tanto, isso parece um pecado difícil de perdoar.

editoriais@grupofolha.com.br

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