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Clarissa Maria Rosa Gagliardi, Mônica de Carvalho e Amanda Caporrino

Políticas habitacional e cultural podem agir de forma integrada

Galpões fabris desocupados funcionariam como espaços de uso misto em SP

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Clarissa Maria Rosa Gagliardi

Pesquisadora do Observatório das Metrópoles São Paulo e docente da Escola de Comunicações e Artes e do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da USP

Mônica de Carvalho

Pesquisadora do Observatório das Metrópoles São Paulo e docente do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP

Amanda Caporrino

Historiadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico/Condephaat e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Econômica da USP

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou que lançará um programa para que edifícios tombados ganhem novos usos. Associada a uma possível linha do Minha Casa, Minha Vida para centros históricos, a iniciativa inova o debate sobre política habitacional para população de baixa renda e aponta soluções para políticas patrimoniais. Em São Paulo, sugere alternativa para reconversão de galpões fabris sem uso em moradia de interesse social.

Dados da Secretaria da Fazenda da Prefeitura de São Paulo mostram que, entre 1995 e 2019, a área construída de uso industrial caiu 24%, enquanto para serviços aumentou 69%. Ricos em infraestrutura urbana, esses espaços também têm sido disputados pelo setor imobiliário. No mesmo período, a área construída de imóveis para residência de alto padrão cresceu 109%. Já a de baixo padrão, 61%. Em distritos que perderam plantas industriais, como Mooca e Tatuapé (zona leste da capital), houve aumento de 280% e 364%, respectivamente. Já imóveis residenciais de baixo padrão tiveram crescimento menos significativo: 15% na Mooca e 31% no Tatuapé.

Na Mooca (zona leste de SP), conjunto que reúne imóveis residenciais e comerciais foi construído no entorno e com altura inferior à chaminé da antiga fábrica de açúcar União - Eduardo Knapp/Folhapress - Folhapress

Na Barra Funda (zona oeste), onde há muitos galpões fabris desocupados, o aumento de alto padrão foi de 743%, enquanto houve redução de 31% nos de baixo padrão. Evidências de que antigos bairros industriais estão sendo ocupados por população de mais alta renda.

Os movimentos sociais, no entanto, indicam outra possibilidade. No distrito da Mooca, o conjunto remanescente da Fábrica Labor, tombado pelo Condephaat (2014) e pelo Conpresp (2017), foi ocupado pelos movimentos de moradia. O tombamento não impõe uso específico e permite a adequação do imóvel para habitação de interesse social, desde que se respeitem as diretrizes de preservação e haja aprovação prévia dos órgãos responsáveis.

Assim, em vez de uma saída recorrente —reintegração de posse e expulsão—, por que não propor uma agenda comum entre as políticas habitacional e cultural, promovendo, no mesmo espaço, moradia associada a instrumentos de geração de renda, como atividades culturais e turísticas? Ação que devolveria à coletividade o ambiente construído da Fábrica Labor, com moradores, proprietários e poder público contribuindo para sua preservação, evitando a descaracterização e a ruína, realidade comum de boa parte das edificações tombadas no Brasil.

Essa proposta ecoa outras ao redor do mundo, como a reabilitação do conjunto de edifícios industriais tombados pelo patrimônio histórico. É o caso do Van der Meulen-Ansemsterrein, no centro de Eindhoven, na Holanda, que associa de forma criativa diferentes padrões de habitação, áreas de uso público e uma série de atividades comerciais, educativas e artísticas.

Nem cristalizar galpões fabris num antiquário a céu aberto, tampouco aceitar passivamente a reconversão do patrimônio cultural no skyline verticalizado. Propor novos usos por meio de agendas inovadoras devolvendo o direito à cidade aos que dela estão excluídos é uma boa forma de preservar a memória do trabalho.

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