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O que a Folha pensa

Trote medieval

Comunidade acadêmica deve desencorajar rito de passagem violento e autoritário

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Em trote na USP, calouros rastejam na lama - Eduardo Anizelli - 14.fev.11/Folhapress

A Justiça de São Paulo determinou, em caráter provisório, que os alunos expulsos da Universidade Santo Amaro por terem tirado a roupa durante uma competição esportiva sejam reintegrados à instituição.

Segundo a decisão, foram violados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Os estudantes alegam que foram forçados à autoexposição durante um trote. Ainda a ser devidamente esclarecido, o caso traz à tona novamente o debate sobre essa controversa tradição acadêmica.

Obter uma vaga no ensino superior, especialmente em cursos mais disputados e instituições de elite, é evento marcante para um jovem e seu círculo familiar e social. Como atesta a antropologia, faz parte da cultura humana estabelecer rituais que registrem a importância de momentos de passagem, e o trote universitário é um exemplo.

Desde suas origens, entretanto, a prática não raro é marcada por violência incompatível com os valores civilizatórios.

Na Idade Média europeia, os calouros eram despidos, suas roupas queimadas e seus cabelos raspados. Sob a justificativa de medida profilática contra propagação de doenças, novatos eram submetidos a agressões pelos veteranos.

No século 19, jovens brasileiros abastados que foram estudar no Velho Mundo trouxeram o costume para o país. Já em 1831, há o registro oficial da primeira vítima: Francisco Cunha e Menezes foi morto a facadas durante trote na Faculdade de Direito do Recife.

Mais recentemente, em 1999, após a trágica morte de um calouro da Faculdade de Medicina da USP, a Assembleia Legislativa de São Paulo instituiu a lei 10.454, que veda o trote no ensino superior "quando promovido sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos".

Mesmo assim, a prática medieval persiste e pode gerar efeitos duradouros. Especialistas apontam que humilhações e agressões sofridas durante o trote podem gerar traumas que comprometem a autoestima, a sanidade mental e, consequentemente, o aprendizado daqueles a ele submetidos.

Mais do que de leis, depende da comunidade acadêmica desencorajar os excessos de truculência. A universidade, lugar por excelência do cultivo da razão e da liberdade, não pode dar guarida à violência e ao abuso de poder.

editoriais@grupofolha.com.br

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