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José Luiz Portella

Emendas parlamentares na Fábrica de Desigualdades

Elas criam iniquidades, pois dependem do gosto dos autores, não de uma lógica

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Divirjo frontalmente do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), a quem conheço e reputo bom deputado. Porém, no assunto das emendas, vejo-o sugado pelo corporativismo parlamentar.

Emendas parlamentares, sobretudo as atuais, não são necessariamente boas para a nação e, pior, têm agravado o quadro de desigualdades, maior chaga nacional.

Como?

Por demandar do Executivo liberação exagerada a fim de apoiar outros projetos. É um sistema que suscita iniquidades, pois as emendas não obedecem a uma lógica, elas vão ao encontro do gosto dos autores, formando um caleidoscópio nada harmonizado às necessidades brasileiras, principalmente na busca da diminuição do desequilíbrio social. Troca-troca despiciendo.

As emendas são, em sua maioria, aleatórias e não vão em direção ao plano do governo para o desenvolvimento econômico e social nem, quando oposição, na trajetória de corrigir os equívocos do Executivo, funcionando como freios, contrapesos ou estímulos para uma outra visão de Brasil.

As destinadas a festas juninas e outras servem apenas para agradar prefeitos parceiros. São emendas com forte valor financeiro, que agravam a desigualdade regional. Um prefeito, por ser amigo, recebe muito dinheiro, e todas as cidades em volta que não são governadas por amigos dos parlamentares, mas enfrentam os mesmos problemas, restam à deriva. Isso gera tratamento diferenciado para populações que sofrem de carências semelhantes, muitas vezes ocasionando um êxodo regional, que potencializa problemas na cidade aquinhoada.

Há um oceano de emendas, o que retira do Executivo a possibilidade de cumprir compromissos assumidos. Fuga de investimentos cabíveis.

As palavras do presidente americano Woodrow Wilson que Danilo Forte usou são, além de anacrônicas, genéricas, um vício atual de aplicar frases de figuras relevantes, genéricas, para justificar privilégios específicos. Certamente Wilson, conhecendo o que ocorre no Brasil hoje, não as repetiria como introdução ao direito referido.

O que está correto nela é que ao Legislativo compete a fiscalização do Executivo. A discussão das políticas públicas deve-se dar na aprovação do Orçamento. Que haja um pequeno volume de emendas até pode ser cabível, todavia não no volume atual, com tantas emendas impositivas ou de barganha. Toma lá, dá cá.

As emendas exemplares na conquista de eventos são exceções à regra, não normalizam o processo da forma como está.

A charge de hoje publicada na edição de hoje da Folha em todas as suas plataformas, é de Alberto Benett e mostra um grupo de parlamentares montado em jegues parados em frente ao Palácio da Alvorada. O líder do grupo grita em um megafone: "Emendas parlamentares ou a vida!". O título da charge é "Novo Cangaço".
Benett/Folhapress

Emendas não são sinônimo de corrupção, mas podem sê-lo. Entretanto são sinônimo de fragmentação orçamentária, o que agudiza sobremaneira o processo de correção das desigualdades.

Em 2023, segundo a Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), alcançaremos R$ 641 bilhões em desonerações e isenções fiscais; o Bolsa Família atingirá R$ 175 bilhões e, em 2024, R$ 168 bilhões.

Teremos R$ 440 bilhões, conforme a Unafisco, de isenções tributária sem contrapartidas e sem quantificação do impacto dos benefícios que deveriam proporcionar para a sociedade.

Não se sabe de emendas que tentem coibir esse efeito "Robin Hood ao contrário", que retirados pobres para dar a quem não precisa.

Os "dez mais" aquinhoados somam R$ 330 bilhões, num exemplo clássico de concentração —efeito que os parlamentares não têm eliminado, ao contrário, pois aumentam privilégios pontuais. Quem fatura R$ 400 mil por mês tem direito ao Simples Nacional.

A Fábrica de Desigualdades é a indústria que mais cresce no Brasil, e a política da meia-entrada compensatória apenas contribui para a sua expansão.

As emendas parlamentares, hoje, são equipamentos substanciais nessa industrialização, nada tardia, da desigualdade no Brasil.

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