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Lucas Carlos Lima

O papel da Justiça internacional no conflito em Nagorno-Karabakh

Decisões de cortes terão efetivo papel na vida e memória da população civil

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Lucas Carlos Lima

Professor de direito internacional na UFMG, é coordenador do Grupo de Pesquisa em Cortes e Tribunais Internacionais CNPq/UFMG

Não só no campo de batalha se descortinam conflitos trágicos como o na região de Nagorno-Karabakh, enclave europeu pelo qual se digladiam Armênia e Azerbaijão. Ao mesmo tempo em que centenas de refugiados buscam abrigo fora de sua terra natal e tropas disputam um território rico em recursos e conflitos históricos, times jurídicos encetam causas em tribunais internacionais para demonstrar que ao oponente não socorre o direito.

O questionamento que segue é: em meio aos fluxos migratórios e às brutalidades bélicas, qual é o papel efetivo de tribunais internacionais num conflito como o que se desenlaça no coração do Cáucaso?
Em apertada síntese, pode-se citar dois fronts judiciais nos quais a questão de Nagorno-Karabakh é discutida: a Corte Internacional de Justiça, em Haia, e a Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo.

Civis armênios durante treinamento militar em quadra de tênis em Ierevan - Diego Herrera Carcedo/AFP


Em Haia, o litígio gira em torno da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1966), da qual o Brasil faz parte e deseja ver respeitada. Armênia e Azerbaijão alegam em processos que o oponente viola direitos protegidos ao discriminar minorias étnicas na região que controlam.


O que desejam os Estados com esse processo? Certamente que o tratado seja respeitado, mas há um argumento jurídico a mais.

Em Estrasburgo, a Convenção Europeia de Direitos Humanos arrola uma série de direitos que estariam sendo violados pelos dois Estados. Há aqui uma particularidade. Nesse tribunal, há não só o conflito entre os Estados como de indivíduos que acionam os Estados pela violação de seus direitos. O atual conflito continuará aumentando o já vultoso número de casos nessa corte.


É um truísmo afirmar que, para o direito internacional, é necessário estar claro quem controlava determinada região no momento em que a violação ocorreu. Aqui consiste uma dos principais vocações desses tribunais: após analisar cuidadosamente os fatos, determinar quem concretamente violou o direito.


Mas a justiça internacional possui percalços ao exercer essa vocação. No atual desenho dos tribunais internacionais, a ação imediata que esses órgãos judicantes possuem é extremamente limitada. Os olhos que vagam a Haia ou Estrasburgo por uma determinação do fim do conflito não o encontrarão. Contudo, existe a chance de que esses tribunais ofereçam pelo menos uma resposta juridicamente baseada, comprovada através de um justo e equilibrado processo, que violações ocorreram e que o direito internacional, num determinado momento e espaço, tinha um lado.


Os tempos da justiça internacional são particulares. Que o diga o Brasil, que em setembro de 2023 teve finalmente encerrado o caso da reparação pelas violações contra Damião Ximenes Lopes na Corte Interamericana, decidido em 2006.

O conflito em Nagorno-Karabakh não terá seu fim decretado pela sentença de um tribunal. Contudo, esses tribunais não apenas servirão para dizer a qual lado socorria o direito como terão efetivo papel na vida e memória daqueles que mais sofrem: a população civil protegida pelos tratados firmados.


O tempo parece outorgar à história a última palavra sobre o valor da justiça internacional.

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